terça-feira, 18 de setembro de 2007

Um carro, dois volantes


No mundo da política, é habitual ver os adversários de hoje fazerem alianças amanhã. As conveniências de cada momento e o apelo do poder ditam os ingredientes com que se cozinham os consensos. Na receita do pragmatismo, os ódios são temperados e colocados em banho-maria. Podem soltar-se mais tarde, mas são reprimidos enquanto der jeito.
No sector financeiro, nem sempre é assim tão simples. Na batalha pelo BCP há uma hipótese para a paz, ainda que podre, ou já foi ultrapassado o ponto de não retorno?
Os sinais mais recentes indicam que as divergências chegaram para ficar. E que as feridas abertas muito dificilmente serão saradas. Já não há aparências para salvar e, de um lado e outro da terra de ninguém, a máscara institucional ainda persiste, mas apenas na forma de uma maquilhagem muito derretida no calor da luta. O conflito entre Paulo Teixeira Pinto e Jorge Jardim Gonçalves iniciou-se de forma discreta, como convém entre banqueiros, treinados na arte da contenção. Arrancou pela gestão de silêncios, mas acabou por alastrar de forma ruidosa.
O fundador jamais acreditou que o “seu” banco teria a ousadia de o desafiar, sobretudo em público. A assembleia geral de accionistas em que se viu forçado a deixar cair o ponto quente da discórdia provou o contrário. E representou, afinal, o momento de viragem. As propostas de destituição de elementos do conselho de administração, arremessadas por cada uma das partes em conflito contra a que se lhe opõe, seriam inimagináveis há um mês. São, agora, um dos indicadores mais expressivos sobre a realidade de um copo em que se tentam conciliar água e azeite.
O ambiente é de oferta pública de aquisição. Com uma diferença essencial. É no interior dos próprios órgãos sociais do BCP que se tenta vencer os adversários e ganhar o controlo. Há informação e contra-informação a enxamear as redacções dos media, como sucederia numa batalha tradicional em que a luta surge de fora para dentro. Desde que a ocasião seja propícia, podem apanhar-se gestores disponíveis para uma sessão de corte e costura sobre qualquer um dos adversários ou de quem lidera as facções em contenda. Trocam-se acusações e desabafam-se ressentimentos. Neste enquadramento, qualquer parte interessada só pode desejar uma saída: que os vencedores sejam inequívocos e que a clarificação seja definitiva.
Os trunfos em cima da mesa ainda não deixam vislumbrar esta possibilidade. Para já, cada um dos lados apenas conseguiu garantir poder de voto suficiente para erguer minorias de bloqueio. Paulo Teixeira Pinto apoia-se num grupo heterogéneo de accionistas, conjugando corredores de fundo, capazes de apostar numa estratégia para o longo prazo, e peritos nos cem metros, que perseguem mais-valias. No que respeita a garantias de estabilidade por parte dos investidores que estão do seu lado, Jorge Jardim Gonçalves parece mais bem servido. Mas se este aspecto é suficiente para proporcionar descanso no pós-guerra ao líder do conselho geral do BCP, não chega para resolver o problema mais imediato.
A conciliação, forçada pelas circunstâncias, pode ser uma inevitabilidade. Mas será o pior cenário para o banco. Um automóvel equipado com dois volantes e em que ambos os condutores querem escolher o caminho constitui uma probabilidade elevada de desastre.

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