quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Aids atenuada


O desenvolvimento de uma vacina que impeça o contágio pelo HIV é impossível com as tecnologias atuais, segundo o professor Edecio Cunha-Neto, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), coordenador de um grupo de pesquisa que trabalha em busca de uma vacina contra o vírus da Aids.

Entretanto, de acordo com o cientista, um imunizante capaz de diminuir a carga viral no organismo poderia reduzir drasticamente a transmissibilidade da doença, beneficiando especialmente as populações de baixo nível socioeconômico.

“A extrema variabilidade do vírus impede o desenvolvimento de uma vacina que induza à produção de anticorpos que se ligariam à sua superfície, impedindo que ele entre na célula. Por isso, optamos por uma abordagem que não é voltada para evitar o contágio e sim para atenuar a evolução da doença”, disse Cunha-Neto à Agência FAPESP.

De acordo com o pesquisador, o modelo de vacina buscado, ao reduzir a carga viral, aumentaria substancialmente o período em que o indivíduo infectado ficaria assintomático, sem necessidade de medicamentos. Além disso, em termos epidemiológicos, a taxa de transmissibilidade do vírus cairia.

“A relação entre as taxas de transmissão e a quantidade de vírus circulante no organismo foi comprovada. Uma vacina como essa seria importante especialmente para populações que não têm acesso à prevenção. Em regiões de nível socioeconômico muito baixo, como na África e Ásia, ela poderia ter um papel revolucionário, mesmo sem ser capaz de inibir o contágio”, afirmou.

O mecanismo imunológico utilizado, em vez de gerar anticorpos, induz uma resposta imunológica celular, aumentando o número de linfócitos T – glóbulos brancos especializados em matar células contaminadas – e reduzindo a carga viral.

“Quando o vírus entra na célula e funde seu material genético com o dela, a célula passa a replicar o vírus e pode se tornar um alvo para as células T. Em uma minoria dessas células, o HIV fica escondido e não é identificado pelos linfócitos, mas a destruição das outras garante a diminuição da carga viral, baixando a transmissibilidade”, disse Cunha-Neto.

Os pesquisadores queriam uma vacina que pudesse cobrir a maior porcentagem possível da população em geral. “O primeiro passo foi identificar regiões do HIV que pudessem ser reconhcidas amplamente, o que foi feito com o auxílio de softwares específicos. Em seguida, fizemos testes biológicos de resposta imune e constatamos que os fragmentos selecionados foram reconhecidos pelo sistema de defesa de mais de 90% das pessoas”, disse.

Em uma segunda etapa, a vacina de DNA contendo fragmentos do vírus foi injetada em camundongos para se verificar a resposta imune dos animais contra eles. Quase 10% de todos os linfócitos T dos camundongos responderam à vacina.

Animados com os resultados, os pesquisadores começaram uma fase mais detalhada da pesquisa para saber, por exemplo, se será possível ampliar a intensidade da resposta imune ainda mais com a utilização de adjuvantes – substâncias acrescentadas a uma vacina para aumentar a resposta imunológica. “Se colocássemos 10% das células humanas reagindo contra o HIV, já poderíamos dizer que a vacina é eficaz”, afirmou o pesquisador.


Testes em humanos

A vacina brasileira começou a ser pesquisada em 2001, segundo Cunha-Neto. A etapa dos modelos experimentais teve início em 2007, quando o projeto recebeu financiamento da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa.

O projeto conta com uma equipe de dez pesquisadores e está sendo conduzido pelas bolsistas Daniela Santoro Rosa e Susan Ribeiro, de pós-doutorado e doutorado, respectivamente, sob coordenação de Cunha-Neto. A conclusão está prevista para julho de 2009.

“Até agora trabalhamos com a vacina conhecida como DNA nu, mas essa não é a forma ideal de vacina para humanos. Estamos atualmente pesquisando formulações que incluam o fragmento de DNA do HIV dentro de outro vírus – o que faz com que a resposta seja mais vigorosa”, disse Cunha-Neto.

Com a vacina desenhada, o próximo passo consistirá em uma migração para experimentos em primatas. “O sistema imune dos macacos é mais parecido com o humano. Com os macacos podemos trabalhar também infectando os animais com o vírus SIV, bastante parecido com o HIV. Assim podemos reproduzir o efeito da vacinação sobre a infecção”, explicou.

A etapa seguinte seria a primeira fase de ensaios em humanos, que seriam sujeitos à vacina para observação da resposta imune. Mas essa fase, segundo Cunha-Neto, ainda está bastante distante.

“Caso a resposta fosse positiva, como nos experimentos até agora, poderíamos partir para os testes de proteção, com imunização de um grupo bem maior de indivíduos com alto risco de contaminação, que depois seriam acompanhados para verificação do impacto na carga viral”, disse.

Atualmente, cerca de 20 vacinas contra o HIV estão sendo testadas no mundo, duas em fase clínica adiantada: uma desenvolvida pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), nos Estados Unidos, e outra pelo laboratório Merck.

Por Fábio de Castro - Agência FAPESP - 19/09/2007

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