quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Revolução nas urgências hospitalares


Uma verdadeira revolução nos Serviços de Urgência é o que propõe a comissão técnica que estuda a reforma do sector e que, dentro de dias, deverá ser aprovada pelo ministro da Saúde, Correia de Campos. Hoje existem 73 Serviços de Urgência Geral nos hospitais portugueses – em breve vai passar a haver apenas 41 Serviços de Urgência Polivalentes (SUP) e Serviços de Urgência Médico-Cirúrgica (SUMC). Dezasseis urgências hospitalares passam a Serviços de Urgência Básica (SUB) e 15 fecham.

Esta é a proposta final ontem apresentada pela Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências, que começou a estudar o novo mapa em Julho de 2006.

A proposta inicial da comissão defendia 13 SUP, 29 SUMC e 41 SUB, enquanto a proposta mais definitiva teve apenas ligeiras alterações: aponta para 14 SUP, 27 SUMC e 42 SUB.

Em relação às Urgências Básicas, o número aumentou com Cinfães, enquanto o estudo prevê o fecho da Urgência no Hospital São Pedro Gonçalves Telmo, em Peniche.

Fonte do gabinete do ministro da Saúde afirmou ao CM que a decisão do governante “pode aceitar ou não as propostas que constam no relatório final da comissão”.

António Marques, presidente da comissão técnica, sublinha: “Com esta rede, mais portugueses estão mais perto das Urgências” e as regiões do País “mais favorecidas são o Alentejo e o norte do Algarve”.

Apesar disso, um trabalho da Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Tomar – que avaliou os acessos às Urgências a partir de todos os pontos do País, tendo em conta o estado das estradas, circulando a uma velocidade de 60 quilómetros/hora – constatou-se que 60 mil indivíduos estão a mais de uma hora de distância de uma Urgência. “São pessoas que se encontram dispersas em aldeias. Não é viável resolver todos os problemas do País”, diz o perito.

Acerca do fecho da Urgência do Hospital de Peniche, António Marques disse que “é de prever que as pessoas deverão ir para as Caldas da Rainha ou Torres Vedras”.

O distrito de Viana do Castelo ficará com um Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica no Centro Hospitalar do Alto Minho e com duas Urgências Básicas (Ponte de Lima e Monção).

“Qualquer rede de Urgência só pode funcionar se tiver uma boa resposta pré-hospitalar”, diz António Marques, defendendo um maior acesso às consultas programadas e não programadas.

MACHADADAS

A reacção à anunciada reestruturação das Urgências não se fez esperar. Em Viseu, a distrital do PSD considerou a medida “uma das mais pesadas machadadas de sempre na qualidade de vida” da região.

A proposta deixa “ao perfeito abandono vastas áreas geográficas que ficarão localizadas a mais de uma hora do serviço de Urgência mais próximo”. Acrescenta que não foram tidas em conta as necessidades das populações de Lamego, S. João da Pesqueira, Resende, Sernancelhe, Castro Daire, Mangualde, Vouzela e Santa Comba Dão, “que são actualmente servidas por Serviços de Atendimento Permanente de 24 horas que deverão ficar absolutamente comprometidos por esta decisão agora anunciada”.

CINFÃES ISOLADO APLAUDE A CRIAÇÃO DE UM SUB

O presidente da Câmara de Cinfães considerou que os peritos que estão a estudar a nova rede de urgências “fizeram justiça” ao propor a criação de um Serviço de Urgência Básica (SUB) no município. “Foi feita justiça em relação ao nosso concelho, considerando as grandes dificuldades que temos nas acessibilidades e na topografia do terreno”, disse José Pereira Pinto.

O autarca socialista lembrou que o concelho, a Norte do distrito de Viseu, situado na Serra de Montemuro, tem localidades “a mais de mil metros de altitude e vales profundos, o que não permite uma deslocação rápida”. Caso o SUB não fosse criado em Cinfães, os utentes teriam de se deslocar ao de Penafiel, o que demoraria muito tempo no caso dos residentes nas freguesias serranas. O Centro de Saúde tem um quadro de 17 médicos mas apenas dez estão a trabalhar, atendendo 23 mil utentes, de uma área de 239 quilómetros quadrados.

POPULAÇÃO DE PENICHE "PERPLEXA"

A proposta de encerramento do Serviço de Urgências do Hospital São Pedro Telmo, em Peniche, deixou ontem “perplexo” o presidente da Câmara, que reuniu de emergência o executivo municipal e pediu uma audiência para hoje ao ministro da Saúde.

No futuro, segundo o plano, os doentes serão transferidos para as Caldas da Rainha e Torres Vedras.

O autarca António José Correia considera que a proposta de encerramento “ignorou a grande afluência de pessoas a Peniche, cuja população chega a quadruplicar no Verão” e promete apresentar ao Governo “os números reais” do concelho. Só ao nível turístico, regista mais de 187 mil dormidas por ano.

“A perplexidade é acentuada pela existência de um relatório enviado ao município no início de Outubro de 2006, o qual apontava para a manutenção do Serviço de Urgência, devido à existência de um pólo turístico especialmente relevante e a distância/tempo a Serviços de Urgência Médico-cirúrgicos e Polivalentes”, explicou António José Correia.

Foz Romão, director do Hospital São Pedro Telmo, também considera que “a decisão de encerrar as urgências será prejudicial para a população de Peniche”.

“O serviço tem uma afluência média de 130 pessoas por dia. O Hospital das Caldas da Rainha não está preparado para um acréscimo suplementar tão significativo e o Hospital de Torres Vedras está fora da nossa rede de referência. Neste momento, não podemos enviar doentes para lá porque não são aceites”, concluiu o responsável.

"VAI SER NECESSÁRIO MOBILIZAR OS PROFISSIONAIS"

A Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências considera que a nova Rede de Urgências só pode funcionar se houver um reforço dos meios humanos na assistência pré- -hospitalar e essa é uma decisão política que está em cima da mesa do ministro da Saúde, Correia de Campos.

“Há várias zonas do País em que vai ser necessário haver reforços e rentabilização dos recursos humanos. Haverá casos em que é preciso recorrer à mobilidade dos profissionais, mas essa é uma decisão política que não nos compete a nós, enquanto comissão técnica, pronunciar”, afirmou António Marques, porta-voz daquela comissão de peritos.

Fonte do gabinete do ministro Correia de Campos escusou-se a avançar com esclarecimentos,remetendo para dentro de poucos dias o anúncio da sua decisão quanto à aceitação, ou não, das recomendações técnicas que constam naquele segundo relatório.

BOMBEIROS DO MONTIJO DE LUTO

No Montijo, a população, que há mais de 20 anos anseia por um novo hospital, vai mesmo perder o actual serviço de urgências. Por ele já protestaram publicamente e prometem continuar a batalhar, agora que a decisão parece irreversível.

Os bombeiros locais têm em curso um protesto simbólico de grande significado: todos os veículos, mesmo os de combate a incêndios, transportam no exterior uma faixa negra como sinal de luto pelo fecho das urgências. O Hospital do Montijo serve 60 mil pessoas dos concelhos de Montijo e Alcochete. Com o serviço encerrado, a população terá de se deslocar ao Barreiro.

UTENTES DE PENICHE

“Só espero que ninguém morra na estrada”, diz Engrácia Sousa, 43 anos, moradora em Peniche.

60 MIL ISOLADOS

60 mil portugueses que vivem nas aldeias estão a mais de uma hora de distância de uma Urgência.

ALENTEJO E ALGARVE

Segundo a comissão técnica, as regiões do País mais favorecidas são o Alentejo e norte do Algarve.

HOSPITAL CURRY CABRAL

Lisboa perde uma Urgência: do Hospital Curry Cabral, que já estava prevista no primeiro estudo.

CRONTOLO MÉDICO

O transporte dos doentes deve ser controlado por médicos – presentes ou não na ambulância.

Cristina Serra/Francisco Gomes, Caldas da Rainha

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