sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Contadores de dinheiro


Ofereçam-se 360 euros a cada família portuguesa e não há quem deixe de bater palmas. Se depois o dinheiro lhes for retirado, em discretas subidas das facturas, não há quem venha para a rua protestar. Esta é que é a verdadeira magia da política.
O que era muito inteligente, agora é muito estúpido. A teoria que dizia que há um serviço prestado ao consumidor quando lhe é facultado um sistema de consumo, independentemente de este ser grande, pequeno ou nenhum, morreu ontem, por decreto, no parlamento. Quase por unanimidade. Quase, porque curiosamente o PCP absteve-se. É claro que ainda falta completar o processo legislativo mas, como é óbvio, se as tarifas dos contadores ainda não acabaram, a teoria que lhe dava sustento acabou.

E portanto, os contadores passaram à categoria de ladrões e o Estado chegou a tempo de apanhar a malandragem com a mão na algibeira dos cidadãos.

Obviamente, quando começamos a pensar no assunto com mais detalhe, começa a assaltar-nos um mar de dúvidas.

Uma delas é que o parlamento decidiu matar a teoria mas com decretos não se muda o facto de as empresas terem um custo específico com a instalação de equipamentos e com a garantia de fornecimento permanente.

Outra delas é a de todas as taxas que pagamos e que são independentes do consumo. Por exemplo, a taxa dos esgotos nada tem a ver com o seu uso. Quererá o Governo fazer justiça nesta matéria? Vinha mesmo a calhar.

Outro exemplo é o do taxímetro. Se a filosofia é pagar o consumo real, por que diabo o percurso curto há-de pagar proporcionalmente mais que o longo?

Mas o pior de tudo é vir anunciar que os consumidores vão poupar dinheiro com a medida e fazer disso uma arma política.

Porque a verdade é que anunciar poupanças é dar um tiro no argumento. O que agora se retirar ao preço das facturas, pela eliminação do preço de instalação e das taxas dos contadores, tarde ou cedo há-de ser cobrado aos consumidores. Aliás, foi isso mesmo o que a Associação Nacional de Municípios veio dizer: se me cortam as taxas dos contadores temos de subir o preço do metro cúbico da água.

O mesmo pensará a EDP. Se perde receitas de um lado, terá de as recuperar do outro. E o mesmo se pensará para os lados das companhias do gás e das telecomunicações. Aliás, o sistema actual das telecomunicações funciona, à excepção do caso bicudo da PT que só pode ser visto tendo em atenção a posição da Autoridade da Concorrência, segundo o duplo princípio de preços por consumo e de preços independentes do consumo.

Os consumidores esclarecidos percebem assim que a redução de 360 euros por ano nas facturas com contadores irá ser cobrada através da elevação do preço dos metros cúbicos, quilowatts, minutos ou megabytes.

A questão de fundo, a questão que devia ser politizada, é que sem pagamento das taxas sobre os contadores, os pequenos consumidores poderão pagar menos do que pagam actualmente. E isso é socialmente justo. Desde que, porque há aqui um grande senão nisto tudo, os preços dos consumos menores sejam iguais ou mais baratos que os dos consumos maiores. O que não acontece agora e poderá continuar a não acontecer, desfazendo as boas intenções da legislação.

No dia em que os preços da água e da electricidade forem crescentemente mais caros em função de consumos crescentes, então sim, estará a fazer-se justiça e a cumprir-se uma política ambiental. Até lá, é demagogia.

Eduardo Moura

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