MOÇAMBIQUE: RITOS DE INICIAÇÃO FEMININA, UMA RICA TRADIÇÃO QUE PROCURA ADAPTAR-SE AOS TEMPOS DO HIV
A novidade explode na aldeia: o som do batuque anuncia que, numa família, uma menina virou mulher. Na província de Nampula, no Norte de Moçambique, a primeira menstruação é anunciada e festejada. Pronto, a menina passará pelo rito de iniciação tradicional nesta província majoritariamente das etnias makhuwa e muçulmana. O batuque abre o rito, que consta de quatro fases. Na segunda etapa, othykhia, as madronas ou conselheiras, ensinam as meninas a ser mulher. Elas instruem sobre sexualidade, higiene e o papel da mulher, o que tem influência direta na sua saúde sexual, incluindo a transmissão do HIV.Se a informação sobre prevenção for bem-feita durante os ritos pode contribuir para frear a epidemia, mas caso contrário, pode aumentar, afirma o psico-pedagogo e coordenador provincial da Rede Moçambicana de Organizações contra o Sida (MONASO) em Nampula, Roberto Nelson Paulo. Um dos efeitos do rito da iniciação é que as meninas sentem-se mulheres, prontas para iniciar a vida sexual, o que pode levá-las a desistência escolar, sexo, casamento e gravidez precoce e, por ali, infecção com HIV. Desistência escolar Em 2005, o Instituto de Desenvolvimento de Educação Básica (UDEBA) de Nampula, aplicou um questionário acerca dos ritos de iniciação para mais de cem líderes comunitários, religiosos, conselheiros, pais, professores, técnicos e jovens do distrito de Nacarôa, a cerca de 100 quilômetros Nordeste da capital provincial, Nampula. A pesquisa destaca que o ritual feminino enaltece o início da vida sexual. As jovens se sentem prontas a encontrarem um parceiro e muitas abandonam a escola. “Elas passam a considerar-se adultas e aptas para o casamento ou para viver com um homem, seu protetor natural”, revela o UDEBA. No inquérito, os professores queixaram-se de que os ritos de iniciação incentivam a “fraca participação e continuidade de estudos das alunas.” Eles recomendaram maior articulação entre os educadores, os líderes tradicionais e as alunas para mantê-las na escola. Indicadores educacionais em Moçambique, referentes a 2004, revelam que 87% das raparigas começam as escolas primárias, mas apenas 47% chegam na última classe deste nível e 10% iniciam o nível secundário.Muitos dos jovens entrevistados no estudo do UDEBA acharam que os rituais podem levar as meninas a quererem experimentar o sexo, mas também podem contribuir à prevenção do HIV, já que durante as cerimônias os adultos aconselham os jovens a serem fiéis e ter poucos parceiros. Com uma população aproximada de 3.6 milhões, Nampula é uma das províncias menos afetadas pela Aids em Moçambique com soroprevalência de 9.2%. A média nacional é 16.2%. Estar com a lua Antropólogos explicam que o ritual de iniciação é um espaço educativo para a transição da infância para a fase adulta. Neste processo, as meninas passam a entender as mudanças no seu corpo e na sua psique, e aprendem seus papéis tradicionais na área doméstica, reprodutiva e comunitária, desde a participação nos funerais até os métodos tradicionais de controle da fertilidade. No ritual, as meninas “aprendem como respeitar o marido, lavar a roupa, tratar do sexo do homem, respeitar os seus húmus ou chefes do clã”, segundo o relatório do UDEBA. As madronas ensinam as jovens como comportar-se quando “estão com a lua”, ou seja, a menstruação. Por exemplo, uma peneira de cabeça para baixo no quarto avisa ao marido que a esposa está com menstruação e não pode ter relação sexual. No entanto, os ikano, ou conselhos das madronas, reforçam os papéis tradicionais de submissão aos homens e a hierarquia familiar. Adriano Tépulo é historiador e curador do Museu de Etnologia de Nampula. Segundo ele, “o que os pais não conseguem dizer aos filhos naturalmente é ensinado nos rituais”, como os assuntos que envolvem a sexualidade. Recém voltada do othykhia, Aida Mussilane, 13 anos, diz ao PlusNews que durante o ritual aprendeu que “os panos usados durante o período (de menstruação) não podem ser vistos pelos rapazes e que neste tempo não se deve salgar a comida para não envenenar e nem manter relações sexuais para não ter problemas na bexiga.” Tépulo explica que estes aprendizados de Mussilane, mesmo se infundados, incentivam à higiene. Outro elemento importante dos ritos é a celebração do corpo e da sexualidade feminina, e a transmissão das antigas legendas makhuwa.Ritos adaptados Ciente de que os rituais são parte da cultura e de que há um grande peso no que transmitem, o Núcleo Provincial de Combate à Aids em Nampula está capacitando os curandeiros, líderes comunitários e as madronas acerca do HIV. “Queremos que estas lideranças incentivem, durante os rituais de iniciação, alguns meios de prevenção do HIV como o uso do preservativo, fidelidade e atraso do início sexual”, diz a diretora do núcleo Provincial, Sara Samuel. “Temos que fazer deles nossos parceiros”, comenta. Samuel diz ao PlusNews que o Núcleo já treinou 35 provedores dos rituais de cada um dos 21 distritos de Nampula. E, de acordo com a madrona Halima Andinane, o trabalho está fazendo efeito. Ela diz ao PlusNews que fala “sobre prevenção, incluindo as vantagens dos preservativos” durante as cerimônias de iniciação que organiza em Nampula. Se o trabalho junto aos provedores dos rituais de iniciação continuar, Nampula dá um grande passo para frear o HIV. “Não creio que os rituais desapareçam nos próximos cem anos, mas talvez sejam modificados por causa da Aids”, finaliza Tépulo. AS FASES DA INICIAÇÃO FEMININAtikitheria: Batuques anunciam a primeira menstruação. Evento apenas para a adolescente e seus familiares. Othykhia: Uma madrona, geralmente uma tia, ensina as meninas higiene sexual, reprodução, tabus e costumes locais sobre as relações entre homens e mulheres, adultos e crianças. Wineia: Festa que pode acontecer meses e até anos depois da primeira menstruação. Durante dois dias,grupos entre 10 a 30 meninas, de caras pintadas, dançam e cantam. Okhuma: Finalização dos ritos com um almoço na casa da menina. Se ela tiver noivo, ele deve estar presente. (Fonte: UDEBA)Fonte: Irin PlusNews
Foto: Amancio Miguel/IRIN
Sem comentários:
Enviar um comentário