segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O valor da opinião

Em Julho de 2007, em entrevista ao programa 'Diga lá, Excelência' afirmei que "o pior para a democracia seria que alguém tivesse de sair de um partido político para dizer o que pensa". Na semana passada, à pergunta sobre a minha eventual candidatura à liderança do PS, respondi que "o facto de ter opiniões não faz de mim candidato ao que quer que seja".

A pergunta que emerge é simples: pode-se ser militante de um partido, ter-se opinião e afirmá-la livremente sem que daí decorra menor solidariedade ou tenha que resultar uma candidatura a qualquer cargo que seja?

Eu persisto em responder sim. Pode e deve ter-se opinião, num quadro de solidariedade e de simples contributo. O contrário seria negar a política e, nesse caso, os partidos não passariam de grupos em luta pelo poder como um fim em si mesmo e não como instrumento para execução de um determinado projecto político. A diversidade de opiniões no interior dos partidos enriquece as posições públicas e alimenta a coesão interna, condição indispensável à unidade na acção.

Por outro lado, os militantes dos partidos políticos não podem ver amputados os seus direitos de cidadania. Ser militante de um partido não deve dar lugar à perda de liberdade, e em particular da liberdade de expressão. Os partidos devem intensificar os seus espaços de debate, livres de constrangimentos, como condição para atrair mais qualidade e mais competências.

Quanto mais plural for o debate, maior será o número de portugueses que se revêem nele. O confronto de opiniões estimula o interesse pela política. Favorece o surgimento de novas opiniões e aumenta a participação de pessoas qualificadas. E se desse debate surgirem divergências, isso deve ser assumido como natural. Ter opinião é intrínseco ao homem e nem todos pensamos da mesma maneira. Ora, o que é natural é que a divergência, e não o monolitismo, seja o elemento caracterizador do debate no interior dos partidos.

No nosso país, dramatiza-se a divergência e isso empobrece o debate político. É necessário romper com esta cultura e estimular o surgimento de novas ideias. Sem receio de rupturas. Só o imobilismo tem medo das ideias. A democracia portuguesa está com bloqueamentos indesejáveis. Torna-se necessário criar um novo ambiente, mais verdadeiro e com maior transparência.

O Parlamento pode ser o espaço indicado para iniciar essa transformação. É neste sentido que tenho vindo a apresentar propostas que aumentem a autonomia dos deputados, de modo a limitar o poder dominante dos partidos e a potenciar a opinião individual.

Primeiro, na reforma do Parlamento, nomeadamente para que os deputados, e não apenas as 'direcções partidárias', possam apresentar iniciativas legislativas que sejam debatidas e votadas, pondo fim a 30 anos de vetos de gaveta; e, depois, na defesa do princípio da liberdade de voto como regra para as votações dos parlamentares, de uma mesma família política, excepto para as promessas eleitorais e para as questões da governabilidade. Pela minha parte tenciono continuar por este caminho, reflectindo e dando os meus contributos.

Com este artigo, termina esta minha colaboração permanente com o Expresso. Desejo que tenha sido útil para os leitores. Para mim foi uma experiência muito interessante, em particular a troca de correspondência efectuada com os leitores.


'António José Seguro'

O Estatuto dos Açores e a chicana

Cavaco Silva tem toda a razão no que diz respeito ao Estatuto dos Açores. Mais do que a razão, Cavaco tem do seu lado o bom senso, a lei e a defesa de um conceito de país que é - estou em crer - o da maioria dos portugueses. Acontece, porém, que a anestesia geral em que se tornou a política não permite que os eleitores percebam inteiramente o que está em jogo.
Mas o que está em jogo, para se ser claro nesta matéria, é razoavelmente simples e pode resumir-se assim:

1) A ideia de autonomia, que confere um poder excessivo aos governos regionais, tornou-se uma espécie de 'bacalhau a pataco' para os eleitores das regiões autónomas. Assim, tanto o PS nos Açores como o PSD na Madeira reivindicam mais autonomia;

2) Os dois maiores partidos ficam reféns dos respectivos líderes regionais, para poderem contar com os seus votos no Parlamento e nas autárquicas;

3) O PS, para satisfazer o desejo de Carlos César, aprovou um Estatuto que reduz os poderes do Presidente, ou se preferirem, os poderes do Estado português em matéria de política regional;

4) O PSD alinhou com o PS;

5) O Presidente não gostou e vetou o diploma;

6) O PS prepara-se para o confirmar, votando assim a redução do controlo por parte do poder central sobre o poder regional.

Já agora adiante-se que a esmagadora maioria dos constitucionalistas - de Jorge Miranda, a Marcelo Rebelo de Sousa passando por Vital Moreira - é contra este Estatuto que o PS quer confirmar e dá razão às objecções do Presidente. O mesmo se passa, por exemplo, com o insuspeito António Vitorino, ou até com outros deputados do PS como Paulo Pedroso ou Vera Jardim. Mas tal não comove a direcção do PS e, em particular, José Sócrates. Parece que para ele tudo é redutível à luta política independentemente dos danos que se possa causar à sã convivência entre as regiões e o Continente. Acresce que o PS, ao sentir que esta é uma oportunidade para afrontar Cavaco e tentar 'partir' o PSD, estica a corda ainda mais.

É tempo de alguém mais do que o Presidente ter um sobressalto com esta matéria. Porque motivo havemos de dar tantos poderes aos Governos regionais? Porque motivo o Presidente, que pode dissolver o Parlamento Nacional, fica tolhido para dissolver os regionais? Porque motivo a República não há-de ter representantes nas regiões da Madeira e Açores?

Não há respostas políticas a estas perguntas. Há apenas chicana; uma rendição ao pior que a política tem.


Henrique Monteiro

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O PRINCIPE COM COMPLEXO DE ÉDIPO TORTO

Estou bem colocado para falar do drama do príncipe Carlos. Era eu garoto, tentava entrar na cozinha onde se faziam os folhados de carne ou camarão e era logo corrido: “Já lá para fora!” Era a minha mãe. As mães agarram-se aos seus pontos de trabalho. Agarram-se ao tacho como um deputado que não sabe fazer nada. Emprego, para elas, é sempre vitalício – as mães são filiadas na CGTP-Intersindical por natureza. Não até tão tarde, é certo, mas também conheci o drama do príncipe Carlos.
Acresce que eu e ele somos da mesma fornada. Somos do começozinho dos anos ‘Baby Boomers’, a explosão da filharada. 1948 – por cada Mahatma Gandhi morto (a 20 de Janeiro) foi uma carrada de futuros sexagenários a pedir chupeta ao longo do ano. Além dos dois já citados: Ximenes Belo, Cat Stevens, Sven-Goran Erikson, Billy Crystal, todos 1948, como o primeiro Land-Rover. Mas lá está, enquanto uns foram para cronistas, bispos, cantores do Alá, treinadores de futebol e apresentadores de Óscares, houve um que ficou à espera do emprego da mãe.
Charles Philip Arthur George de Mountbatten-Windsor – o nome oficial do nosso Carlos – foi tendo biscates ao longo da vida: príncipe de Gales, duque da Cornualha, duque de Rothesay, conde de Carrick, conde de Chester, barão de Renfrew e (o meu preferido) Senhor das Ilhas. Tinha ele quatro anos e a mãe arranjou o emprego que se sabe. Desde essa altura, o Carlos ficou à espera de a substituir. Está bem, ela é rainha e o cargo traz, por contrato, outras mordomias: Supremo Governador da Igreja de Inglaterra, Duque da Normandia, Lord de Mann e, vou dizer em estrangeiro, porque me parece ainda mais formidável, Paramount Chief of Fiji. Eu seria capaz de fazer muita coisa para ser Paramount Chief of Fiji, mas nunca ficar 60 anos à espera.
Na verdade, o príncipe Carlos só está à espera desde 1952, quando a mãe assinou pela firma britânica. Mas mesmo 56 anos é muito tempo passado a aguardar o telefonema do centro de emprego. Tanto mais que ele se arrisca a esperar um bom bocado mais: a rainha Isabel só tem 82 anos. O só não é irônico: a mãe dela morreu aos 101 anos.
O Carlos fez 60 anos na semana passada. A questão não é tanto a idade em si, mas continuar dependente. A 14, dia do seu aniversário, ao meio-dia, no Hyde Park, o King’s Royal Horse Artillery fez soar 41 tiros de canhão em sua honra. Parece bom ao primeiro ouvido, não fosse o pequeno senão por trás da coisa: foi a mãe que deu autorização para o tiroteio. Não fosse ela, a Real Artilharia Montada continuaria muda. O leitor ponha-se no lugar do infeliz, é seu dia de festa, tem 60 anos, chega ao emprego e os seus colegas estão à volta do telefone, esperando que ele soe com a autorização da sua mãe: Podem cantar o Parabéns a Você!” Toda a vida nisto, é duro.
Ainda por cima, o príncipe Carlos é uma figura pública, todos lhe conhecem a ambição. É um freudiano arrevesado, não quer matar o pai, mas a mãe (só no sentido figurado, que ele é bom rapaz: ela reformar-se bastaria). Em vez do passamento, ele é obrigado a ouvir canções idiotas à sua custa. Na semana passada, Eric Idle, que foi dos Monty Python, pôs-se a cantar estas rimas cruéis:
“If yuo’re 60 years of age
And your mum won’t leave the stage”
Mais ou menos: “Se tens 60 anos de idade, e a tua mãezinha não sai da cidade”. A mãe não desampara a loja, não sai do palco – e o Carlos à espreita da sua oportunidade.
Como eu disse, também tentei entrar na cozinha. Mas, tendo sido corrido, fui tentar a minha sorte noutro lado. Outro rapaz do nosso tempo, o Cat Stevens, o Gato Esteves, como nós lhe chamávamos por causa das suas canções abaixo de cão, vingou-se na mãe tornando-se fundamentalista islâmico. Todos nós resolvemos o nosso problema. O do príncipe Carlos é que ele passou a vida a treinar para ser a mãe. E continua na pista a aquecer, até que o chamem para entrar em jogo.
No ano em que nascemos, o Kim Il-sung fundou a republica comunista da Coréia. Na constituição ficou escrito que ele era “O Presidente Eterno”. E até ele, o Presidente Eterno, desamparou a loja dando uma oportunidade ao filho Kim Jong-il. Bernardino Soares, do PCP, é que deve estar orgulhoso por não estar sozinho. Há um aristocrata em Inglaterra que também pensa que a Coréia do Norte é um exemplo a seguir.


‘Ferreira Fernandes’