quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O PRINCIPE COM COMPLEXO DE ÉDIPO TORTO

Estou bem colocado para falar do drama do príncipe Carlos. Era eu garoto, tentava entrar na cozinha onde se faziam os folhados de carne ou camarão e era logo corrido: “Já lá para fora!” Era a minha mãe. As mães agarram-se aos seus pontos de trabalho. Agarram-se ao tacho como um deputado que não sabe fazer nada. Emprego, para elas, é sempre vitalício – as mães são filiadas na CGTP-Intersindical por natureza. Não até tão tarde, é certo, mas também conheci o drama do príncipe Carlos.
Acresce que eu e ele somos da mesma fornada. Somos do começozinho dos anos ‘Baby Boomers’, a explosão da filharada. 1948 – por cada Mahatma Gandhi morto (a 20 de Janeiro) foi uma carrada de futuros sexagenários a pedir chupeta ao longo do ano. Além dos dois já citados: Ximenes Belo, Cat Stevens, Sven-Goran Erikson, Billy Crystal, todos 1948, como o primeiro Land-Rover. Mas lá está, enquanto uns foram para cronistas, bispos, cantores do Alá, treinadores de futebol e apresentadores de Óscares, houve um que ficou à espera do emprego da mãe.
Charles Philip Arthur George de Mountbatten-Windsor – o nome oficial do nosso Carlos – foi tendo biscates ao longo da vida: príncipe de Gales, duque da Cornualha, duque de Rothesay, conde de Carrick, conde de Chester, barão de Renfrew e (o meu preferido) Senhor das Ilhas. Tinha ele quatro anos e a mãe arranjou o emprego que se sabe. Desde essa altura, o Carlos ficou à espera de a substituir. Está bem, ela é rainha e o cargo traz, por contrato, outras mordomias: Supremo Governador da Igreja de Inglaterra, Duque da Normandia, Lord de Mann e, vou dizer em estrangeiro, porque me parece ainda mais formidável, Paramount Chief of Fiji. Eu seria capaz de fazer muita coisa para ser Paramount Chief of Fiji, mas nunca ficar 60 anos à espera.
Na verdade, o príncipe Carlos só está à espera desde 1952, quando a mãe assinou pela firma britânica. Mas mesmo 56 anos é muito tempo passado a aguardar o telefonema do centro de emprego. Tanto mais que ele se arrisca a esperar um bom bocado mais: a rainha Isabel só tem 82 anos. O só não é irônico: a mãe dela morreu aos 101 anos.
O Carlos fez 60 anos na semana passada. A questão não é tanto a idade em si, mas continuar dependente. A 14, dia do seu aniversário, ao meio-dia, no Hyde Park, o King’s Royal Horse Artillery fez soar 41 tiros de canhão em sua honra. Parece bom ao primeiro ouvido, não fosse o pequeno senão por trás da coisa: foi a mãe que deu autorização para o tiroteio. Não fosse ela, a Real Artilharia Montada continuaria muda. O leitor ponha-se no lugar do infeliz, é seu dia de festa, tem 60 anos, chega ao emprego e os seus colegas estão à volta do telefone, esperando que ele soe com a autorização da sua mãe: Podem cantar o Parabéns a Você!” Toda a vida nisto, é duro.
Ainda por cima, o príncipe Carlos é uma figura pública, todos lhe conhecem a ambição. É um freudiano arrevesado, não quer matar o pai, mas a mãe (só no sentido figurado, que ele é bom rapaz: ela reformar-se bastaria). Em vez do passamento, ele é obrigado a ouvir canções idiotas à sua custa. Na semana passada, Eric Idle, que foi dos Monty Python, pôs-se a cantar estas rimas cruéis:
“If yuo’re 60 years of age
And your mum won’t leave the stage”
Mais ou menos: “Se tens 60 anos de idade, e a tua mãezinha não sai da cidade”. A mãe não desampara a loja, não sai do palco – e o Carlos à espreita da sua oportunidade.
Como eu disse, também tentei entrar na cozinha. Mas, tendo sido corrido, fui tentar a minha sorte noutro lado. Outro rapaz do nosso tempo, o Cat Stevens, o Gato Esteves, como nós lhe chamávamos por causa das suas canções abaixo de cão, vingou-se na mãe tornando-se fundamentalista islâmico. Todos nós resolvemos o nosso problema. O do príncipe Carlos é que ele passou a vida a treinar para ser a mãe. E continua na pista a aquecer, até que o chamem para entrar em jogo.
No ano em que nascemos, o Kim Il-sung fundou a republica comunista da Coréia. Na constituição ficou escrito que ele era “O Presidente Eterno”. E até ele, o Presidente Eterno, desamparou a loja dando uma oportunidade ao filho Kim Jong-il. Bernardino Soares, do PCP, é que deve estar orgulhoso por não estar sozinho. Há um aristocrata em Inglaterra que também pensa que a Coréia do Norte é um exemplo a seguir.


‘Ferreira Fernandes’

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