segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Teodoro Gonçalves Silva (1912-2007)


No seu último aniversário, em 29 de Agosto, Teodoro comprou um bolo enorme e colocou-o ao pé da praia para todos festejarem. Há uma semana foi para o hospital e despediu-se com um adeus.

Teodoro Gonçalves Silva, pai do Presidente da República, faleceu ontem de manhã, aos 95 anos, no Hospital de Faro, onde estava internado desde 22 de Setembro com problemas respiratórios. O falecido conhecera problemas semelhantes no passado mês de Março, altura em que uma pneumonia o obrigou a dez dias de internamento. Segundo foi possível apurar, o funeral realiza-se hoje à tarde para o cemitério de Boliqueime, onde repousam os restos mortais de sua mulher, Maria do Nascimento Cavaco.

João Batista era um dos maiores amigos de Teodoro Gonçalves Silva. Vizinho da frente do pai do Presidente da República, na rua Gil Eanes, em Quarteira, João, de 51 anos, já conhecia Teodoro “há mais de vinte anos” e com ele partilhou “muitas histórias e brincadeiras”. Entre estas inúmeros “jogos de snooker e idas à praia”, recorda o amigo.

A morte do pai de Cavaco Silva não surpreendeu, no entanto, o amigo, até pelas dificuldades de saúde que Teodoro Silva enfrentou nos últimos tempos. João Batista anteviu mesmo este final, quando Teodoro foi levado para o hospital, fez sábado uma semana. “Ele viu-me e levantou o braço”, conta João, “parecia que se estava a despedir, eu vi logo que ele já não voltava cá”, acrescenta. Sobre o amigo, João Batista recorda um homem “sempre muito recto e honesto”. Para ele, Teodoro era “um homem cinco estrelas, impecável”.

FORTE PERSONALIDADE

Quando foi levado numa ambulância dos Bombeiros de Quarteira, Teodoro já tinha uma máscara de oxigénio na cara, para o ajudar a respirar. Mas ainda deu sinais da sua forte personalidade, conforme conta Pedro Matos, 31 anos, empregado no café Gil Vicente, mesmo em frente à porta do prédio onde morava o pai de Cavaco Silva. “Ele parecia que estava a refilar com eles”, recorda, a sorrir, Pedro Matos. O pai de Cavaco Silva foi transportado para o Hospital de Faro “por volta das 20h30”, refere ainda.

No último mês, Teodoro já nem tinha aparecido no café, onde era cliente habitual todas as tardes. “Bebia um galão e comia um bolo de arroz ao lanche”, explica Pedro Matos, “mas as últimas vezes quem veio pedir as coisas foi a senhora que vivia com ele e que tratava dele”.

As últimas visitas de Teodoro ao Gil Vicente foram já no mês de Agosto, mas Pedro Matos ainda recorda a postura do pai do Presidente da República. “Ele entrava aqui e perguntava sempre se nós sabíamos quem ele era”, conta, “eu respondia que sim, sabia, e ele lá se sentava”.

É também de Agosto uma das últimas recordações que o amigo João Batista tem de Teodoro Silva. “Foi no dia de anos dele, a 29 de Agosto”, conta, a sorrir. “Ele comprou um bolo enorme e colocou-o ao pé da praia, no calçadão, toda a gente que quis foi comer.”

Poucos dias depois, o pai de Cavaco Silva deixou praticamente de sair de casa. “Ele gostava de ficar sentado na varanda, à tarde, a apanhar Sol”, refere ainda João Batista, apontando para o apartamento onde Teodoro Silva vivia. “Às vezes eu é que o ia buscar para darmos um passeio pela praia, gostava muito dele”, conclui emocionado.

PERFIL

Nascido a 29 de Agosto de 1912, Teodoro Gonçalves Silva pertencia a uma família pobre, mas ele próprio deu a volta à vida, arriscando por uma vida melhor para si e para os seus. Apenas com 17 anos, em 1930 emigrou a salto para França, onde só esteve dois anos e como contou ao ‘CM’ “a vida era muito dura”. Ainda assim, conseguiu lá amealhar o suficiente para se lançar como empreendedor. Já capaz de sustentar uma casa de família, casou com Maria do Nascimento Cavaco, neta de uma senhora muito influente em Boliqueime. O afinco ao trabalho trouxe-lhe ainda mais sorte. Comprou alguns terrenos agrícolas, lançou-se nos negócios que lhe correram sempre bem e até conseguiu a exploração do único posto de venda de combustíveis na zona. Mesmo sem a numerosa clientela que hoje têm as estações de serviço, o negócio que mais tarde alugou permitiu-lhe pôr três dos quatro filhos a estudar em Lisboa. Só o filho mais velho, Rogério, hoje nos 77 anos, se ficou pelo comércio no Algarve. A par do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, de 68 anos, que se licenciou em Económicas e Financeiras pelo ISCEF em 1963, a irmã Maria do Rosário, de 66, estudou para professora do Secundário, e o mais novo, António, de 60, é engenheiro e cultiva o gosto e talento para a pintura. Quanto ao pai Teodoro manteve sempre os princípios de trabalhador, educador e pessoa empreendedora.

FILHO AGRADECE RASGAR DE HORIZONTES

Um dos raros agradecimentos públicos de Aníbal Cavaco Silva à educação recebida numa “família de fracos recursos, onde não faltava o essencial, mas pouco mais havia”, está na sua ‘Autobiografia Política’ de que destacamos o seguinte extracto:

“A actividade de comércio do meu pai, nos frutos secos do Algarve e no transporte de mercadorias por camião, foi-se desenvolvendo ao longo dos anos e ajudou-me a alargar os horizonte, proporcionando-me contactos com gentes muito variadas e com outras terras. Era para mim uma excitação quando, em tempo de férias, o meu pai me deixava viajar até Lisboa nos camiões carregados de sacos de ervilhas ou cabazes de tomate, sentado entre o motorista e o ajudante. Atravessava a serra do Caldeirão, parava nos cafés de Almodôvar e Ferreira do Alentejo e em Lisboa deixava-me fascinar pelo movimento e colorido dos mercados da Ribeira ou do Rego ao nascer do Sol. Outras vezes eram camiões carregados de alfarroba triturada, que o meu pai vendia para as fábricas de rações para animais situadas nas zonas de Xabregas e de Alverca, ou camiões de sacos de figo para uma fábrica de destilação em Torres Novas. Eram mais de 600 km de estradas estreitas e cheias de curvas, percorridos no espaço de 24 horas, onde acontecia sempre alguma coisa nova e interessante para um adolescente e curiosos como eu. No entanto, a maior satisfação dessas longas viagens chegava quando o motorista permitia que eu ocupasse o seu lugar e guiasse durante algum tempo um camião de dez toneladas de carga ”

FAMÍLIA JUNTA À VOLTA DO FILHO PINTOR

Há menos de um ano, em finais de Outubro de 2006, uma das mais curiosas reuniões públicas da família Cavaco Silva aconteceu no Museu Mineiro do Lousal, em Grândola, onde o mais novo da prole, António, engenheiro, expôs um conjunto de 11 pinturas a óleo e aguarelas sob o título ‘Força da Terra’.

Na ocasião, a surpresa foi a presença na inauguração não só do Presidente da República como do pai, Teodoro, facto que encheu de alegria o filho pintor. Adiante-se que Teodoro Gonçalves Silva tinha muito orgulho em todos os seus filhos que unia, com convicção, num lema familiar: “A nossa família só sabe trabalhar, não sabemos fazer mais nada e o Aníbal é uma grande cabeça”, disse ao CM em Março de 2005.

PSD DE FARO FAZ O ELOGIO

“Um símbolo vivo de energia e força interior” é como o PSD de Faro, presidido por Mendes Bota, elogio Teodoro Gonçalves Silva numa mensagem ao Presidente da República de que destacamos: “Teodoro Gonçalves Silva foi um exemplo de trabalho, de perseverança e espírito empreendedor, no seu tempo de empresário, quer no campo com os frutos secos, quer no ramo do comércio de combustíveis. Foi um cidadão respeitador e respeitado, um símbolo vivo de energia e força interior, numa vida cheia e prolongada. Para o PSD Algarve significou um apoiante de primeira hora, um militante social-democrata presente nas actividades partidárias mais significativas na freguesia de Boliqueime, no concelho de Loulé ou no Algarve.”

Bota conclui recordando a visita que o pai do Presidente fez, a seu convite, ao Parlamento Europeu nos anos 90.

A PALAVRA DOS AMIGOS

- Amigo de muitas brincadeiras, João Baptista considerava Teodoro “um homem de cinco estrelas”

- Pedro Matos, do café onde Teodoro ia com frequência, recorda-o como pessoa afável e generosa

AFIRMAÇÕES

- "A nossa família só sabe trabalhar, não sabemos fazer mais nada e o Aníbal é uma grande cabeça." Teodoro Gonçalves Silva, Março de 2005

- "Esta reprovação marcou-me profundamente. Tinha acabado de fazer 14 anos e o meu pai resolver dar-me uma lição que me serviu para toda a vida. Não fez grandes discursos e até se zangou menos do que eu estava à espera. Se não queria estudar, tinha de trabalhar. E assim, durante todo o Verão do ano de 1953, fiz trabalho agrícola com o meu avô paterno, Joaquim Gonçalves Silva, numa sua propriedade no Morgado de Quarteira, hoje Vilamoura." Cavaco Silva, em ‘Autobiografia Política’, sobre a reprovação no 4.º ano do curso de Comércio

- "Foi um cidadão respeitador e respeitado, um símbolo vivo de energia e força interior, numa vida cheia e prolongada." Mendes Bota, presidente do PSD Algarve

- "Lembro-me de uma meninice típica de uma criança de uma família de fracos recursos, onde não faltava o essencial mas pouco mais havia." Cavaco Silva em ‘Autobiografia Política’

- "O trabalho físico a que o meu pai me obrigava nas férias escolares, nas obras da construção de uma nova casa na Fonte de Boliqueime, na trituração de alfarroba ou na apanha de frutos secos, e que eu via como um castigo, contribuiu para fortalecer em mim a vontade de ir mais além nos estudos" id id
João Mira Godinho com J.V.

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