segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O atalho


No final desta semana, o ministro das Finanças vai desvendar a proposta de Orçamento do Estado para 2008. Seguir-se-á aquele que é, anualmente, o mais importante debate realizado no Parlamento. É a oportunidade para escrutinar os resultados alcançados, avaliar o cumprimento e o falhanço das promessas efectuadas no exercício anterior e dirimir argumentos sobre as opções para o ano seguinte.
Com uma confortável maioria absoluta que dispensa quaisquer compromissos e que apenas obriga o Governo a aceitar as alterações que muito bem entender, a discussão pode ser escassamente motivadora. O resultado está feito à partida. Os deputados que suportam o Executivo limitam-se a fazer aquilo que deles se espera e os partidos da oposição aproveitam a ocasião para explorar a visibilidade que a discussão assume, sabendo que o destino mais provável para as suas iniciativas é a gaveta das recordações.

Para as bancadas da oposição, a tarefa tem vindo a revelar-se progressivamente mais ingrata. Por um lado, porque a disponibilidade do Governo para debater as suas políticas e fornecer explicações na confrontação entre o que prometeu e o que alcançou é selectiva. O exemplo recente do aumento da taxa de desemprego em flagrante contradição com o optimismo superficial do Governo, que ergueu o tema como uma das suas bandeiras mais emblemáticas, foi elucidativo. Quando as notícias são más, o Executivo vira-lhes as costas e contorna o assunto apostando na descredibilização de quem lhe dirige as críticas e lhe pede explicações. É uma opção arrogante, que há-de ser facturada, mas que vai funcionando.

Acresce que, no domínio dos grandes objectivos, o Governo vai cumprindo. Avaliada pela trajectória descendente do défice público, a estratégia de consolidação das contas públicas posta em prática no actual mandato tem uma leitura positiva. As estimativas para este ano e as previsões para 2008 vão colocar Portugal a salvo do rótulo de país indisciplinado em matéria de finanças públicas e o trunfo vai ser acenado, a torto e a direito, como uma conquista da boa gestão de José Sócrates.

Por detrás do número mágico do défice estão, no entanto, uns alicerces de consolidação orçamental que não eliminam motivos para preocupações. O bom ritmo da cobrança fiscal justifica em boa parte o sucesso no combate ao défice excessivo. Mas a despesa mantém uma taxa de aumento superior ao que o Governo vai prometendo e a reforma das administrações públicas, que devia ajudar a evitar más surpresas quando o ciclo económico muda de humor, arrasta-se em atrasos comprometedores. O Executivo escolheu o atalho dos impostos, mas o caminho está cheio de buracos.

PS – O Governo planeia abdicar de metade dos 800 milhões de euros que lhe serão pagos pela EDP em contrapartida pelo prolongamento dos contratos de concessão dos aproveitamentos hidroeléctricos explorados pela empresa. A verba irá ser utilizada na amortização de uma parte do défice tarifário acumulado pelo facto de as tarifas não reflectirem os custos. Com este acordo, o Executivo subsidia os preços da electricidade, evitando subidas politicamente difíceis de gerir. Mas compromete, novamente, o trilho para a liberalização do mercado que já envolve a ameaça por parte de potenciais concorrentes da EDP, como a Endesa, de desistirem de operar em Portugal. Com aquela decisão, os consumidores poderão não sofrer, no próximo ano, ajustamentos de preços superiores à inflação, mas terão que pagar a factura das conveniências políticas imediatas do Governo de qualquer forma. Na pele de clientes da EDP ou de contribuintes. Tal como os almoços, também o ilusionismo não é grátis.

João Cândido da Silva

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