sábado, 6 de outubro de 2007

PADRALHADA CONTINUA QUASE NA MESMA...


Padres nos hospitais até à reforma

Ao longo de uma semana de críticas de representantes da Igreja Católica ao projecto de regulamentação da assistência religiosa nas unidades públicas de saúde - projecto a que não havia até agora acesso directo - dois aspectos foram sistematicamente repetidos pelos media como constituindo objecções primordiais desta confissão à proposta governamental: a restrição da assistência ao horário das visitas e o facto de os pacientes serem obrigados a, na sua admissão ao hospital, requererem por escrito a dita assistência, sob pena de esta não ter lugar. Ora no projecto, a que o DN teve acesso, o que está consignado é que a assistência religiosa "pode ser prestada a qualquer hora, de preferência fora do horário normal das visitas", e que o paciente, ou um familiar ou amigo por ele, pode requisitar a assistência a qualquer altura, "de forma escrita" e "a ser assinada por quem a requer, sob pena de se entender que o utente não deseja receber assistência".

Por outro lado, tem sido também repetido que está em causa "desmantelar" a estrutura de assistência religiosa residente nos hospitais, e que é constituída exclusivamente por sacerdotes e leigos católicos, pagos pelo Estado e em muitos casos com o estatuto de funcionários públicos (situação que tem sido por vários juristas considerada inconstitucional, por ferir o princípio da separação entre Estado e confissões religiosas, e ilegal, por não tratar como iguais todas as confissões). A verdade é que, apesar de o preâmbulo da proposta especificar ser "preciso compatibilizar o regime de assistência espiritual e religiosa no serviço nacional de saúde com o princípio da igualdade previsto na lei da liberdade religiosa, segundo o qual não pode o estado discriminar nenhuma igreja ou comunidade religiosa", o artigo 2º do capítulo II estatui que "aos capelães dos hospitais nomeados (...) é garantida a manutenção do respectivo estatuto jurídico, incluindo para efeitos de aposentação (...)". Ou seja, de acordo com o esclarecimento prestado por fonte do ministério da Saúde, "todos os capelães nomeados se vão manter em funções e nos hospitais até cessar o seu vínculo". Na prática, tal implica que se mantenham padres católicos como funcionários dos estabelecimentos públicos de saúde, a auferir salários que, de acordo com o ministério, variam entre 986 e 1474 euros, até à respectiva reforma, o que pode suceder daqui a muitos anos.

Um aspecto da proposta que os comentários dos representantes da Igreja Católica até agora tinham ignorado, e que Fernando Soares Loja, o representante da Aliança Evangélica na Comissão da Liberdade Religiosa (CLR) - órgão consultivo do Governo e do Parlamento criado no âmbito da Lei de Liberdade Religiosa, actualmente presidido por Mário Soares e integrando representantes das confissões "registadas" - considera "difícil de aceitar". Trata-se, para este jurista evangélico, do prolongamento de uma situação de excepção para a Igreja Católica face às outras confissões que há muito contesta. Soares Loja, que havia votado vencido no parecer favorável (embora com várias recomendações) que a CLR havia dado a uma anterior proposta governamental de regulação da matéria (também aprovada pela Igreja Católica mas retirada pelo ministério por ter sido, segundo fonte do mesmo, considerada de "acomodação difícil com a Constituição, a lei de liberdade religiosa e o parecer da CLR"), considera que o actual projecto "é um grande avanço e está genericamente de acordo com a lei e os princípios da liberdade religiosa e da democracia".

A proposta, que ainda não foi objecto de parecer da CLR - a actual comissão cessou o seu mandato e ainda não foi renomeada, só podendo depois disso reunir para apreciação do diploma - garante "assistência espiritual e religiosa aos utentes do SNS independentemente da sua confissão", assistência essa que será remunerada pelo SNS e ocorrerá apenas se os utentes - ou alguém deles próximo - o solicitem, mas proíbe que essa assistência seja sugerida por técnicos do hospital ou voluntários.

Por outro lado, especifica-se que em cada unidade hospitalar deve existir "um local com condições de privacidade para reuniões de utentes (...) com os assistentes espirituais ou religiosos, sem símbolos religiosos específicos de qualquer confissão religiosa", local em que deverá ter lugar a referida assistência, " sempre que o utente e puder locomover" e "um local de culto destinado aos utentes independentemente da sua confissão". Os assistentes podem ser designados pelo utente ou pela confissão a que declare pertencer e deverão ser identificados através de um cartão emitido pela administração regional de saúde. Terão, nessas circunstâncias, "acesso livre aos utentes que solicitem ou para os quais seja solicitada assistência" e o direito "a serem remunerados pela assistência prestada", devendo no entanto "limitar o contacto a quem tenha solicitado a sua assistência, de forma a não perturbar os demais".|

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