sábado, 6 de outubro de 2007

O cavalo selvagem


A história é de uma simplicidade infantil. O comerciante tinha um cavalo que queria vender e decidiu sorteá-lo. Conseguiu compradores para cem rifas, ao preço unitário de um euro. E foi por este preço que o feliz contemplado se viu perante a oportunidade de levar o animal para casa. O problema é que o equídeo, afinal, já estava morto.
Perante o justo protesto do cliente, o antigo proprietário disponibilizou-se para receber a mercadoria de volta e reembolsar o valor cobrado pela rifa. A transacção desfez-se, os direitos do consumidor foram devidamente observados no que respeita às obrigações contratuais em caso de produtos defeituosos e, para o final ser perfeito, o talentoso comerciante acabou por arrecadar 99 euros.

Ganhar dinheiro de forma rápida e com um mínimo de esforço é o sonho de qualquer investidor. Mas nem todos se lembram de rifar um cavalo morto, porque não têm imaginação ou descaramento para ir tão longe. Sendo assim, viram-se para outras paragens. O mercado de acções, por exemplo. Quem o tenha feito nos últimos meses, terá andado preocupado. As cotações interromperam um longo ciclo de valorização, porque a ameaça de uma crise extensa e prolongada se abateu sobre as bolsas, pressionando as acções em baixa. Muitos analistas que tentam adivinhar o rumo das praças financeiras no curto prazo garantem, com alguma convicção, que a tempestade, afinal, já passou. Mas será mesmo assim?

A subida dos índices nas sessões mais recentes parecem dar uma resposta positiva à questão. Lisboa, uma das bolsas mais voláteis devido à sua pequena dimensão, completou, ontem, uma série de seis sessões consecutivas em alta, que se traduziram numa valorização média superior a sete por cento nos principais títulos cotados.

Descontando os bancos, a perspectiva é que a rendibilidade das empresas continue a crescer a bom ritmo, razão suficiente, e bastante lógica, para sustentar a recuperação das cotações. O problema está no facto de a rapidez de reacção que se detecta nos mercados financeiros não ter correspondência no comportamento das economias, onde os efeitos chegam com mais lentidão.

Neste capítulo, as reticências ainda são muitas. E ontem, em Lisboa, Alan Greenspan soube resumir algumas delas, com a autoridade que cerca de duas décadas aos comandos da política monetária norte-americana lhe conferem. Nos Estados Unidos, onde se situou o epicentro da actual turbulência, a perda de dinamismo do mercado imobiliário, com uma persistente acumulação de casas novas, o cenário de uma recessão não está afastado.

No mercado cambial, a quebra de confiança na maior economia do mundo tem justificado a depreciação do dólar em relação ao euro e este facto deve preocupar seriamente os decisores europeus. No espaço da moeda única, exportar com um euro forte e conviver com taxas de juro em subida, reflectindo uma degradação do risco, é um ‘cocktail’ pouco animador para os próximos tempos. E, tal como nos tempos da “exuberância racional”, praças financeiras descoladas da economia real não são um cenário para curiosos.

Mas ainda há esperança? Há. Para os corredores de fundo. A comparação entre a rendibilidade das acções portuguesas e a remuneração dos certificados de aforro, um produto muito popular em Portugal, revela que, a longo prazo e apesar das crises, o risco compensa. Comprar hoje a rifa para no dia seguinte ser proprietário de um cavalo pujante e saudável é que já é outra história. Se o animal estiver vivo, pode mostrar-se demasiado selvagem.

João Cândido da Silva

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