quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Câmara ardente


Há uns anos, o dirigente de um clube desportivo do país anunciou, com o orgulho de quem acredita ter descoberto a solução mágica para um grande problema, estar a preparar a emissão de um empréstimo obrigacionista com o objectivo de reduzir o passivo da agremiação a zero. É possível que, aos adeptos mais distraídos, o esquema tenha soado bem.
Reduzir o valor das dívidas parece ser um caminho adequado para quem precise de baixar custos e reequilibrar as contas de exploração. Mas não há alquimia financeira que consiga operar o milagre de eliminar passivos através da contracção de um novo empréstimo. Quanto muito, arranja-se dinheiro para honrar compromissos atrasados com outros credores e, sendo a operação negociada com pés e cabeça, pode conseguir baixar-se os encargos financeiros. Mas o passivo permanecerá longe do ambicionado zero. Poderá, até, continuar a aumentar, como sucedeu com o clube em causa, porque o verdadeiro segredo para abater um nível excessivo de endividamento exige outro género de esforços. Entre eles, o combate a custos desnecessários e aumento de receitas. Em suma: mais eficiência e racionalidade.

O plano de saneamento financeiro avançado pela actual gestão da Câmara Municipal de Lisboa pode criar aquele género de ilusões. É absolutamente necessário encontrar os recursos para que a depauperada autarquia da capital possa cumprir os compromissos assumidos perante fornecedores que, caso não tenham uma tesouraria apoiada por outras fontes menos relapsas, já receberão aquilo a quem têm direito muito para lá do prazo de validade. Mas o empréstimo que vai ser desencantado junto da banca de pouco mais adiantará para a futura felicidade da cidade se a administração corrente do município não vier a ser controlada com mão-de-ferro e sem facilitismos.

A proposta de António Costa é característica de quem tem o porão cheio de água e não vê outra solução que não seja a de se agarrar à tábua de salvação que lhe pareça mais acessível. A situação não é invejável. Mas plasma a táctica do Governo na luta para dominar o défice público, ao recorrer a aumentos das receitas de impostos e taxas. Os munícipes pagarão, desta forma, os erros de gestão que foram sendo acumulados ao longo dos anos, enquanto a liderança da Câmara dá mais um golpe na promessa vã de criar melhores condições para atrair habitantes que, aos milhares, se foram afastando de Lisboa.

É certo que o plano não ignora a tarefa fundamental de reduzir a pesada folha de custos do município, onde reside a verdadeira origem da doença aguda de que padece a autarquia. Foi por aqui que o passivo cresceu até atingir a soma redonda de 1.500 milhões de euros. Propõem-se cortes nos subsídios que vão alimentando de tudo um pouco, descidas nos custos suportados com algumas categorias de remunerações dos respectivos colaboradores e uma expressiva diminuição das verbas destinadas a investimento, o que, uma vez mais, se assemelha à cartilha adoptada pelo Governo. Tudo junto, parece pouco e escassamente estruturado para uma cidade em que o número de trabalhadores da Câmara não parou de aumentar, enquanto o número de habitantes baixava.

As condições políticas para ir mais longe e atacar a raiz dos problemas são praticamente inexistentes. António Costa e os seus adversários sabem que o mandato é curto e ninguém vai querer partilhar os custos eleitorais pela dor que uma cura eficaz provocaria. O calculismo político ameaça manter Lisboa em câmara ardente.

João Cândido da Silva

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