terça-feira, 18 de setembro de 2007

A bola de cristal


Pelo final de Abril passado, o patrão do Grupo Sonae enviou um recado público à administração da Portugal Telecom. Belmiro de Azevedo estava, ainda, nessa altura, a curar as feridas do fracasso na oferta pública de aquisição lançada sobre o operador histórico de telecomunicações, mas já ensaiava uma nova ofensiva.
Prometeu que, nos tempos que se seguiriam, estaria especialmente atento ao cumprimento das promessas feitas aos accionistas pela administração de Henrique Granadeiro. Se mantém essa intenção, pode estar na hora de começar a reunir argumentos para a segunda parte da contenda.
Organizar uma defesa contra uma tentativa de compra hostil é uma faca de dois gumes. E num mercado em rápida mutação, como o das telecomunicações, as lâminas são bem mais afiadas. Um passo mal medido pode significar uma ferida aberta na credibilidade. Pressionada pelo avanço da Sonae, a gestão da PT apostou em persuadir os accionistas da empresa a manterem posições através de um reforço suculento da sua remuneração. Para cima da mesa em que se jogou o destino da maior oferta hostil jamais realizada em Portugal, foi lançado um trunfo tentador. Nada menos que 6,2 mil milhões de euros a serem embolsados pelos investidores fiéis à PT, na forma de dividendos futuros e de um programa de recompra de títulos. Era um bolo apetitoso e revelador de uma empresa que, dispondo de capacidade para cumprir o desígnio, estava a ser pouco generosa perante quem lhe confiava o dinheiro.
Sabe-se como a história terminou. O controlo da PT não mudou de mãos, embora a derrota não tenha deixado de forçar o gigante a mover-se. E, para a posteridade, ficaram as promessas de melhorias substanciais no retorno de quem optou por não cortar as amarras com a empresa. Os tempos mudam e os pressupostos sobre os quais as garantias de hoje são dadas podem, amanhã, sofrer alterações. Num cauteloso documento enviado ao regulador do mercado de capitais norte-americano, a administração da PT enumera uma lista de situações que poderão impedi-la de cumprir os seus compromissos perante os accionistas. Não só admite o risco de ver-se impossibilitada de honrar o que declarou quando decorriam as manobras defensivas em relação à OPA, como acrescenta à lista anterior um conjunto de condicionantes que poderão perturbar o ambicioso plano de remuneração.
Pode afirmar-se que a situação não é o fim do mundo, o que se espera que seja inteiramente verdade. Ao adicionar aquelas reservas, a gestão da PT está a prestar as contas que competem a uma empresa cotada, de acordo com as regras mais apertadas em vigor nos Estados Unidos. Mas uma vista de olhos pelo documento permite constatar que, na identificação dos factores de risco e das demais condicionantes, cabe praticamente tudo o que a sensatez e a prudência poderiam imaginar, acrescido da vaga referência a “quaisquer outras” circunstâncias.
Das duas, uma: ou o frenesim da OPA foi mau conselheiro ou os accionistas estarão no direito de, daqui por diante, exigir que o menu das auspiciosas remunerações futuras lhes seja servido na versão norte-americana. De resto, quem acreditar que os administradores de uma empresa cotada, qualquer que ela seja, se reúnem em redor de uma infalível bola de cristal que lhes indica como serão os dias que hão-de vir, estará no seu direito. Incluindo o direito a ser tolo.

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