terça-feira, 18 de setembro de 2007

Terra dos homens


Sim, a culpa é nossa. De políticos, de empresários, de consumidores. Todos, quase todos, poluímos e desperdiçamos. Todos, quase todos, fazemo-lo de consciência tranquila – a culpa não é nossa, é de Bush. Todos, quase todos, acreditámos que a ciência resolveria o problema antes de os nossos netos estarem condenados às Los Angeles sombrias de ‘Blade Runner’.
Errámos: não serão os nossos netos, somos nós.
Podemos suspeitar da agenda pessoal de Al Gore, mas isso é irrelevante: o seu filme e o relatório Stern foram dois murros no estômago da humanidade. Esta é a nossa bomba-relógio.
Há 30 anos, o verde estava entre o fixe e o radicalismo; agora está nas agendas políticas. Por uma razão: porque tem que ser. Mas não há samaritanismos. A poluição e o sobreaquecimento só se combatem por duas vias: se for lei ou se for bom negócio.
Hoje, em Portugal, os poluidores destravados já não estão nas grandes indústrias, que tiveram de adoptar rígidas normas ambientais. O desastre ecológico está agora nas explorações agro-industriais, matadouros, suiniculturas, que são muitas e dispersas. Diz o ministro do Ambiente: uma porca reprodutora tem um impacto poluidor equivalente a mil habitantes. Só com porcos, é como se Portugal tivesse 40 milhões de pessoas.
A lei que temos é insuficiente. Mesmo Quioto é omissa quanto ao sector dos transportes, responsável por grande parte da emissão de gases, o que a UE tenta agora remediar, propondo pela via fiscal a restrição de emissões nos automóveis.
Em Portugal, o Governo apresentou há três semanas um pacote de medidas com compromissos dos mais ambiciosos da Europa nas energias renováveis. Como? Nas hídricas, na biomassa, na energia solar, nas ondas, nos biocombustíveis, no biogás, na microgeração. Parece fácil. É difícil. Também Álvaro Barreto, no curto Governo de Santana Lopes, definiu objectivos eloquentes para a energia. Mas não dizia como.
O "como" podia até passar, na produção, pelo nuclear. Num país como a China, que constrói centrais à semana, a opção é menos discutível. Em Portugal, até lá temos ainda muito que ganhar na eficiência, no aproveitamento dos recursos hídricos.
Mas é no consumidor, também, que a política se faz. E ele toma decisões com base no custo. Trocar as lâmpadas e desligar a TV é uma irrelevância numa casa aquecida a electricidade, mal isolada e com três automóveis na garagem. Sossega a consciência e poupa trocos, mas não é comportamento ecológico.
A proposta do Governo para o sector dos edifícios tem boas intenções, mas é coxa: os edifícios antigos ficaram de fora e os novos têm de estar preparados para receber energia solar, quando ela podia ser obrigatória (no ano passado, segundo Carlos Pimenta, houve três mil instalações de painéis solares em Portugal; na Grécia foram 40 mil). Isto não basta. Nem promover compras ecológicas, se depois se renovarem frotas para automóveis que não sejam híbridos. A própria utilização energética nos milhares de edifícios do Estado não é estimulada. Entre numa universidade, veja o desperdício de luz durante o dia e de caloríferos debaixo de janelas abertas.
A tecnologia existe, não é ficção científica. Mas é cara. Tratando-se de salvar o planeta e o nosso modo de vida, teremos de encarar o financiamento da sua implementação, através de sistemas fiscais ou princípios de poluidor-pagador. Em "Terra dos Homens", Saint-Éxupery exalta a Terra enquanto espaço-mãe do Homem. Mas não é por literatura, mas por sobrevivência, que vamos ter de mudar de vida. O que começa por admitir isso mesmo: que vamos ter de mudar de via.

Pedro Santos Guerreiro

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