terça-feira, 18 de setembro de 2007

O dia do empurrão


Numa série popular dos anos 90, uma comunidade de dinossáurios instituiu o "dia do empurrão". Nesse dia, os cidadãos mais idosos eram empurrados de um precipício, para as suas mortes. Os répteis da série resolviam, de uma penada, o problema da Segurança Social e do SNS. Não acredito que o "dia do empurrão" seja a solução ideal a aspirar para o nosso país.
A despesa pública com a saúde representa uma percentagem de dois dígitos do orçamento da despesa corrente e, praticamente, a totalidade da colecta de IRS. De que forma é que um sistema, que leva a totalidade da colecta do IRS, é sustentável?
Uma das soluções, estudada actualmente pelo governo é a hipótese de colocar os utentes que podem pagar, a fazê-lo. Mas quem são estes utentes? Como é que se determina quem é que pode pagar, pelo IRS? É um método tão bom de calcular as reais possibilidades dos utentes, como uma maçã pendurada num fio ser um método eficaz para calcular o horário das marés.
Alguns dirão que é essencial que as pessoas que têm poucas posses, ou nenhumas, continuem a ter acesso aos cuidados de saúde. O que não é justo é que, só porque não têm posses, pessoas mais pobres morram à porta dos hospitais.
Completamente de acordo, como também estou de acordo que os utentes têm a responsabilidade, perante eles próprios e perante todos, de levar vidas mais saudáveis: com menos sal e gorduras, menos tabaco, menos álcool, menos drogas e mais exercício físico.
O mais irónico nesta situação é que, forçando artificialmente a "saúde igual para todos", como garantido na constituição, estamos cada vez mais perto do tal "dia do empurrão", em que os utentes serão divididos entre os que podem pagar e ter acesso a saúde de qualidade e os que não têm, que terão de ser "empurrados" a sujeitarem-se ao que for possível.
Para além do problema dos utentes poderem pagar, ou não, os hospitais ainda têm de lidar com o problema de cobrança das dívidas. As contas hospitalares são submetidas aos pacientes e aos subsistemas de saúde, num esquema de "esperemos-que-alguém-pague". O que recebem do estado é pago em duodécimos, segundo o princípio de que um hospital não tem controle suficiente para conseguir facturar mensalmente ao estado o que produziu. Parece incrível que um hospital público não consiga facturar eficazmente a esmagadora percentagem da sua produção, por falta de capacidade de controlo da mesma.
Não acredito que a maioria das pessoas pense que é pouco razoável pagar taxas moderadoras por uma consulta externa, ou por uma urgência. Muitas vezes, o problema é mais como pagar, do que necessariamente o ter de pagar. Deslocar-se ao hospital, perder uma hora de almoço e esperar numa fila, para pagar cinco euros, não é razoável nos dias de hoje. Especialmente se o hospital onde foi atendido de urgência, quando estava de férias, ficava a 170 Km da sua residência.
O pagamento e a boa cobrança devem ser tratados com firmeza, as dívidas devem ser cobradas, os prevaricadores devem ser perseguidos. Adicionalmente, será necessário fornecer todos os meios de pagamento possíveis, financiamento através de instituições de crédito, pagamentos por cartão de débito, de crédito, ou seja, reduzir ao máximo o risco dos recebimentos do hospital.
Outras soluções estão a ser implementadas, como as PPP (parcerias público-privadas), ou os EPE (entidades públicas empresarias). São modelos que têm vindo a ser implementados no nosso país, com variados graus de sucesso. Potencialmente, melhoram o nível de responsabilidade da direcção do hospital; na prática, quando tudo o resto se mantém igual, torna-se complicado mudar de uma forma substancial. É, claramente, um passo no bom caminho, embora não resolva as limitações actuais, em termos de organização e operação hospitalar.
Reduzir o crescimento da dívida é o único caminho sustentável no médio prazo. Até lá, temos de controlar os custos, garantir os recebimentos e evitar, ao máximo, o desperdício.

Rui Cruz

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