terça-feira, 18 de setembro de 2007

Perder na secretaria


Não há direito que a Justiça morra na secretaria por falta de pagamento de custas. O Governo está equivocado quando coloca o formalismo acima das questões de princípio.
Os casos que o Estado tem perdido por razões burocráticas deviam alarmar o legislador e fazê-lo descer à terra. Em nome do Estado e dos cidadãos prejudicados.
Ninguém de bom senso pode contestar que o Estado seja obrigado a pagar as custas de todos os processos que enceta. Na legislação actual, essa obrigação não é total. Na legislação que está em discussão pretende-se universalizar a norma.
Esta medida faz todo o sentido. O Estado deve tomar a decisão de litigar em função de uma racionalidade financeira e, nesta medida, sujeitar-se à mesma lógica a que se subordina uma empresa ou um cidadão. Inclusivamente, como refere António Cluny admitindo a hipótese no plano ideal, os dirigentes administrativos que decidem encetar as acções deveriam ser directamente responsabilizados.
Porém, o que se tem verificado até agora, nos casos em que o Estado é obrigado ao pagamento de custas, é que os dirigentes administrativos avançam para a litigância sem que sejam avaliados à posteriori e, fundamentalmente, avançam muitas vezes sem terem garantido o pagamento das custas. Daqui resultam situações em que o processo morre na secretaria, até em casos de protecção a vítimas de crimes.
Obviamente, a culpa não é dos dirigentes mas das complexidades burocráticas que fazem com que uma autorização de despesa percorra um labirinto de resultado incerto. E tão óbvia é a razão que fica muito difícil compreender como é que o legislador pretende estender a regra sem resolver as teias burocráticas.
Tanto mais que este Governo, e frequentemente a sua área da Justiça, tem pautado a acção em torno da ideia da simplificação.
Mas daí até aceitar a posição defendida pela PGR vai uma grande diferença. É inaceitável que a simplificação proposta pela PGR vá ao ponto de propor que o Estado deixe, pura e simplesmente, de pagar custas, apesar de o seu argumento não ser ilógico já que, no fundo, o Estado tem de suportar as despesas dos Tribunais.
Apesar de lógica, esta ideia esconde que há uma diferença substantiva entre pagar na secretaria, caso a caso, ou pagar através de transferência orçamental por conta das necessidades de financiamento dos Tribunais. Aliás, a adopção da lógica da transferência orçamental seria um retrocesso perigoso em relação à modernização da Justiça. Toda a reforma deve ser dirigida a responsabilização individual e colectiva e permitir o estabelecimento de objectivos e a medição de resultados.
Sendo assim, quem inventou o Simplex, quem exulta com a empresa na hora, a marca na hora, o documento único automóvel, a casa pronta, o passaporte electrónico, tem a obrigação de encontrar um sistema avançado que compatibilize a regra de que o Estado tem de pagar custas de todos os processos e o princípio de que a Justiça não é travada por novelas burocráticas.
Se o Estado paga a dinheiro aos Tribunais e caso a caso ou se paga por transferência bancária e por factura resumo, ou qualquer outra solução, já é uma questão puramente formal que não deve impedir a importante reforma das custas judiciais.

Eduardo Moura

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