terça-feira, 18 de setembro de 2007

Fogo que arde sem se ver


Os gráficos simétricos que ilustram hoje a primeira página do Jornal de Negócios mostram as duas temperaturas da economia; o frio da macroeconomia e o calor da microeconomia cotada em Bolsa.
É irracional investir no nosso país, pois em qualquer outro membro da União Europeia se obtém melhor retorno. Mas investir na Bolsa de Lisboa é hoje mais rentável do que o foi em qualquer dos últimos nove anos, desde esse ano louco de 1997, apogeu do capitalismo popular, quando centenas de milhares de investidores entraram nas OPV da EDP, Brisa e PT.
Não é um paradoxo, é um contraste. Este é o país da retoma selectiva, em que a prosperidade de poucos (os exportadores de automóveis e de produtos refinados de petróleo) torna formal um crescimento da economia que não se tornou substancial. A estatística não engana: estamos a crescer. Mas onde? Não se sente.
A globalização mudou as regras do jogo e os ciclos económicos deixaram de ser em longos "vês" para passarem a taquicardias nervosas e sectorialmente muito heterogéneas. Daí que o optimismo se tenha tornado um instrumento de política económica. Nem é por eleitorialismo. É por uma absoluta necessidade de animar os agentes económicos. O círculo virtuoso é conhecido: optimismo gera confiança; empresários confiantes investem, clientes confiantes consomem; com mais consumo, as empresas vendem mais, logo compram mais matérias-primas a outras empresas, que também vendem mais; vendendo mais, essas empresas investem e contratam mais pessoas, reduzindo o desemprego; mais tarde, aumentam ordenados, logo sobe o poder de compra, logo mais vendas (depois virá a inflação, mas isso é outro capítulo); o Estado ganha duplamente porque há mais lucros (logo mais IRC), mais ordenados (mais IRS) e mais consumo (mais IVA, mais IA, etc.), mas também porque há mais emprego (e contribuições para a Segurança Social) e menos desemprego (e encargos com subsídios). É este ciclo que dá crescimento económico e, ao fim de quatro anos, vitórias em eleições. É por isso que os ministros falam com sorrisos forçados nos lábios. As hospedeiras de bordo fazem exactamente o mesmo durante as tempestades wagnerianas.
O facto de a Bolsa estar aceleradamente a crescer pode ser um prenúncio de maior crescimento económico, já que a evolução dos mercados de capitais antecipa fases dos ciclos económicos. Mas olhando em detalhe para o que se passa na Euronext Lisbon verifica-se outra coisa. Os lucros crescem. Muito. Mas grande parte vem de reestruturações, um conceito em si estafado mas que tem agora novas feições. Já não são reestruturações orientadas para o corte de custos, mas para o redesenho de carteiras de negócios. Há vendas de negócios não-vitais e recentragem no foco empresarial; e há OPA que vão mudar sectores inteiros. Muitos destes movimentos geram resultados extraordinários, no sentido literal do termo – não têm a ver com a operação da empresa, mas com lucros que se obtêm após as limpezas anteriores dos balanços. A venda da Oni pela EDP é exemplar: a empresa afundou quase 450 milhões de euros nas telecomunicações, foi assumindo esse prejuízo ao longo dos anos e regista agora um lucro extraordinário com a venda de um problema, libertando energia para a actividade que lhe interessa.
Nos primeiros nove meses, as "blue chips" portuguesas aumentaram os seus lucros em 25%. A elite das seis maiores cotadas (EDP, PT, BCP, BES, Brisa e BPI) estão a lucrar, juntas, quase nove milhões de euros por dia. E no entanto...

Pedro Santos Guerreiro

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