segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O velório do Senado

Inacreditável, imoral, na contramão da ética, da compostura, da decência, do decoro a vexatória decisão do Senado, por 40 votos contra 35 e seis abstenções - que tentam enganar os tolos com o dissimulado voto contra - que absolveu o galante presidente, senador Renan Calheiros, da denúncia apresentada pelo PSOL e aprovada pelo Conselho de Ética, de ter tido as contas pessoais pagas pelo lobista da Mendes Júnior, Cláudio Gontijo - inclusive a pensão alimentícia à sua amante, a jornalista Mônica Veloso, com a qual tem uma filha de 4 anos.Nunca foi montada no Congresso uma mais complicada manobra de fingimento, com os toques da hipocrisia e a mascarada dos disfarces grotescos. Claro que por mera coincidência, nem por isso menos abençoada, o casal presidencial passeava nas carruagens reais, na companhia dos soberanos dos países nórdicos, enquanto o PT catava votos para a absolvição do parceiro perfeito para os conchavos parlamentares que garantam a aprovação dos projetos que liberam verbas milionárias para o show do canteiro de obras do próximo ano de eleições municipais para prefeitos e vereadores, na reta da sucessão presidencial de 2010. Pois até na votação secreta, da esburacada sessão secretíssima com a patuscada dos microfones desligados, celulares com a recomendação da mudez e a varredura para a retirada dos computadores e gravadores, o PT usou a máscara da impostura. A trampa tática da liderança petista foi uma infantil brincadeira de esconde-esconde: os seis fantasiados com os escrúpulos de votar pela absolvição do aliado Renan foram instruídos para votar em branco. Rato escondido com o rabo de fora: para cassar o mandato do astro da novela das oito era necessário atingir ou ultrapassar os 41 votos, maioria absoluta do total de 81 senadores. Abstenção ou voto contra a punição dá no mesmo. Mas a tramóia às escancaras confirma a pressão do presidente Lula na cobrança da fidelidade dos aliados - todos muito bem recompensados com a farta distribuição de ministérios, secretarias, autarquias selecionadas a dedo no lote daquelas com grandes obras programadas e verbas nas alturas dos milhões e bilhões, que o ano que vem será da gastança. E é lamentável que o senador Aloizio Mercadante (PT) tenha se exposto ao desgaste de liderar a bancada na fuga à responsabilidade.O que sobra do Senado, do velho Senado sob a saraivada de críticas justas e severas da opinião pública que ocupa as páginas da correspondência dos leitores em literalmente todos os jornais. Além do e-mail para as rádios e emissoras de TV? Por ora, com a raiva azedando a alma e o vexame manchando o rosto, os sinais de uma preocupante e saudável manifestação coletiva que mistura indignação e nojo. O Senado caiu no ralo, sujou-se de lama, igualou-se à Câmara dos Deputados na farra de absolvição dos que se fartaram de dólares e reais na orgia do mensalão, do caixa 2, dos Correios, das ambulância superfaturadas. E a baderna acabou mal, com a decisão do Supremo Tribunal Federal que aprovou por unanimidade a denúncia do procurador-geral da República contra os 40 acusados de desvios do dinheiro público.No contraste humilhante com a altivez da toga, na reviravolta de anos de tolerância com a impunidade para a exemplar lição de rigoroso combate à corrupção, o Congresso fica em situação lastimável.Resta ao Senado, como pouco confiável consolo, a tripla oportunidade de reabilitação moral: mais três processos contra o senador Renan Calheiros aguardam em fila a sua vez na pauta do Conselho de Ética e da Justiça. O Senado esgotou a taça da imprudência. Em próximo teste, convém botar de molho as veneráveis barbas brancas.Ou tocar um tango argentino.
Que tal o clássico Cambalache?(*)
Villas-Bôas Corrêa é repórter político do Jornal do Brasil.

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