segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Brasil: exemplo para o resto do mundo
O pioneirismo da política brasileira de prevenção e tratamento do HIV/aids colocou em evidência o engajamento da sociedade civil organizada na luta contra a doença desde o início da divulgação dos primeiros casos de aids na mídia. A relação que existe entre o Estado e a sociedade civil nas instâncias governamentais responsáveis pelo atendimento das demandas apresentadas pela sociedade foi, desde as primeiras articulações, primordial para que o programa brasileiro alcançasse um patamar de destaque na área de políticas públicas de saúde relacionadas à prevenção e tratamento do HIV/aids.A epidemia do HIV/aids surgiu numa época em que as autoridades sanitárias mundiais acreditavam que as doenças infecciosas estavam controladas pela tecnologia e pela evolução da medicina moderna. Por suas peculiaridades, suscitou comportamentos e respostas coletivos, nos quais estão inseridas as estratégias políticas oficiais em seus diversos contextos.No início da mobilização para o controle da epidemia de aids, o Brasil vivia um momento muito particular de sua história, de abertura política e redemocratização. A elaboração de uma nova Constituição e a conseqüente criação do SUS eram parte desse processo. A aids é contemporânea do fim do regime militar e da tentativa de reconstrução econômica, social e política do País. Desse modo, os avanços e retrocessos inerentes a esse processo constituem o cenário que configura a elaboração da futura política.A mobilização iniciada pelos movimentos políticos da década de 80 contribuiu para o estabelecimento de uma nova corrente, que se fortaleceu à medida que reivindicou seus direitos e pressionou os atores políticos para a tomada de ações que desenharam mais tarde a resposta brasileira à epidemia. Além de participar ativamente do processo de construção dessa resposta, esse movimento também foi fundamental na execução da política e nas negociações para a sua continuidade, fato registrado pela primeira vez na história da saúde no Brasil.Por outro lado, é visível a abertura das esferas governamentais competentes em acolher as demandas que a sociedade civil apresenta, inicialmente nas Secretarias de Saúde de unidades da Federação e, e em uma fase posterior, pelo próprio governo federal, que se viu confrontado pelos instrumentos de pressão que exigiam uma resposta oficial sobre a epidemia. Nota-se, neste momento, que os atores participantes se unem em um processo de colaboração e somam esforços, fazendo com que essa cooperação apresente um cunho inovador ainda desconhecido pelos formuladores de política no Brasil. O surgimento da aids inaugurou um modelo de articulação entre Estado e sociedade civil inédito até então no enfrentamento das questões de saúde, caracterizado pelo estabelecimento de parcerias e pelo financiamento direto do governo para organizações não-governamentais cuja penetração nos meios atingidos pela doença era um facilitador para as ações previstas. É oportuno ressaltar a continuidade dessa colaboração, que ora se caracteriza pela pressão dos movimentos sociais sobre o governo, e ora se apresenta como coadjuvante para o alcance de seus objetivos.Além disso, o reconhecimento e a unificação das prioridades do governo e da sociedade civil conseguiram com que o Brasil implementasse e mantivesse a sua política de assistência aos portadores do HIV/aids, por meio da distribuição universal e gratuita de medicamentos, apesar de toda a pressão exercida pelos organismos de financiamento e do posicionamento contrário dos países desenvolvidos. Com isso, o Brasil assumiu uma posição de liderança, com um perfil propositivo de ações, cuja visibilidade é reconhecida inclusive pelos críticos dos métodos empregados nas políticas de prevenção e assistência implementadas até a época corrente. Em suma, o movimento social pode ser um ator relevante para a formulação de políticas públicas, quando tem como interesse maior a contribuição para o debate e quando encontra um parceiro no setor governamental aberto às discussões e sugestões que são trazidas a partir das suas necessidades. A parceria na construção da resposta brasileira, se não foi perfeita, com certeza contribuiu para que o País conseguisse frear as previsões pessimistas do início da década de 1980 e chegar a meados dos anos 2000 com pelo menos parte de seus objetivos alcançados.(*) Ana Lucia de Oliveira Monteiro é mestre em Gestão Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília (UnB) e autora da pesquisa A relação Estado e sociedade civil na formulação e elaboração de políticas públicas: análise do Programa Nacional de DST e AIDS – 1980/2006.
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