terça-feira, 18 de setembro de 2007

A última carruagem


Seria muito injusto não reconhecer que Portugal se transformou radicalmente nos últimos 20 anos e que essa mudança não teria sido possível sem a política de coesão e os milhões de Bruxelas.
A questão essencial não é, portanto, saber se estaríamos melhor hoje se tivéssemos seguido um caminho alternativo – porque, seguramente, não estávamos. Nem se teríamos conseguido obter os mesmos resultados sem o dinheiro dos outros – porque, como é óbvio, não teríamos.
O problema é que, durante este tempo, sobretudo na última década, enquanto Portugal progredia, outros davam saltos. Enquanto andávamos a distribuir pouco por muitos, outros faziam escolhas claras.
Enquanto cada Ministério recebia o seu mealheiro cheio de euros para satisfazer as suas clientelas, outros tinham projectos nacionais, em que o gestor não estava refém de questiúnculas paroquiais. E, sobretudo, a responsabilização. Em que, desde sempre, o país se media pelo dinheiro que gastava e não pelos resultados que obtinha.
Evidentemente que Sócrates não descobre a pólvora quando avisa que chegou o tempo de escolhas rigorosas, nem surpreende quando recorda que este Quadro de Apoio, agora QREN, constitui a última oportunidade para os portugueses se desenvolverem com o dinheiro dos outros.
Pobre país aquele que, depois de mais de um quarto de século de integração europeia, voltasse a mendigar mais fundos e novas ajudas aos ricos do clube, dentro de sete anos. Não, não é um problema de política. Também nem se coloca no plano do fracasso económico. É mesmo uma questão de honra nacional.
Não nos tem faltado dinheiro. Não nos continuará a faltar subsídios. Eles estão garantidos numa quantidade porventura superior ao que precisamos, seguramente maior do que merecíamos.
É gestão que falta. Mais do que grandes visões e desígnios, a medida do sucesso deste QREN depende do modelo de gestão que vai ser seguido. Da capacidade em levar à prática tudo aquilo que o primeiro-ministro discursou.
Selectividade. Dimensão. É esta a inspiração do QREN. Ser selectivo nos projectos. Obrigar à união, à cooperação e à aliança entre aqueles que pedem ajuda para os desenvolver. E fazer diferente. Diferente do que nós próprios fizemos no passado. Diferente, de preferência, do que outros fazem hoje.
Pede-se, então, coerência nos enunciados.
Exige-se, assim, que o Governo volte ao debate da viabilidade de projectos como o TGV e a Ota. Não por serem irrelevantes na valorização do território – um dos três eixos essenciais do QREN. Mas para que a conversa das "escolhas rigorosas" seja mesmo para levar a sério.
Em vinte anos, o país mobilizou 75 mil milhões de euros de investimentos. Desses, dois em cada três não eram nossos. Sócrates subiu a fasquia da ambição: 45 mil milhões para sete anos, mais de metade de recursos nacionais. Sobretudo privados.
Mais resultados, em menos tempo, com menos apoios. Sete anos para financiar as reformas que nos bloqueiam, modernizar os factores que nos empobrecem e preparar o país para a compe tição.
Cavaco Silva queria, há vinte anos, apanhar o comboio da Europa. Ficou Sócrates no lugar ingrato de viajar na última carruagem. A visão optimista é que, apesar de tudo, a carruagem permanece atrelada e por isso ainda. A hipótese angustiante é se salta. É isso que significa "última oportunidade": o comboio segue e a gente fica apeado no chão.

Sergio Figueiredo

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