terça-feira, 18 de setembro de 2007

Juiz contra estradas fora da lei


O juiz Nuno Salpico, do Tribunal do Barreiro, não tem a mais pequena dúvida: muitos acidentes rodoviários são provocados por vias defeituosas, mal projectadas e mal construídas. O magistrado preside ao Observatório de Segurança das Estradas e Cidades (OSEC) – e vai apresentar quatro queixas-crime na Procuradia-Geral da República por deficiências nos traçados de outras tantas vias.


No próximo dia 25 de Janeiro, o juiz Nuno Salpico apresenta a primeira das quatro queixas, respeitante aos defeitos do traçado do Eixo Norte-Sul, em Lisboa, com destaque para a zona entre o Viaduto Duarte Pacheco e o Aqueduto das Águas Livres. Até ao final do mês, o Observatório de Segurança das Estradas e Cidades irá apresentar mais queixas, relativas aos traçados da Auto-estrada do Oeste (A8) e da Estrada Nacional 10, entre Setúbal e Coina. Em Fevereiro, segue queixa contra o IP4, entre o Porto e Bragança.

Em Novembro do ano passado, o OSEC apresentou na Procuradoria-Geral da República queixa contra o mau traçado do IP3, que liga a Figueira da Foz a Viseu.

“São incorrecções do traçado que têm contribuído para a sinistralidade rodoviária. Parece-nos que isto é crime, pois põe em perigo a vida dos utentes. Queremos apurar os responsáveis, como os engenheiros que elaboraram os traçados das vias em questão. O Tribunal depois decidirá se é realmente crime”, disse ontem ao CM o juiz Nuno Salpico. Os responsáveis, segundo o juiz, podem ser condenados a uma pena entre um e oito anos de prisão.

Na base destas queixas está um estudo elaborado em 2005 por engenheiros que colaboram com o Observatório. Este estudo, garante o juiz, denuncia inúmeras violações das normas técnicas de segurança – como curvas apertadas que facilitam os despistes, lombas em locais onde não deviam existir e troços onde a visibilidade dos condutores não é assegurada.

“No que respeita ao Eixo Norte-Sul, em Lisboa, enviámos um ofício ao Ministério das Obras Públicas em Junho de 2005 a pedir a correcção urgente dos defeitos, mas nada foi feito. As entidades administrativas falharam por completo. Resta apelar aos tribunais, porque o Ministério das Obras Públicas pode dar orientações ao LNEC e à Estradas de Portugal, dois dos responsáveis pelos traçados e sinalização das vias, mas não pode dar orientações aos tribunais”, diz o juiz.

Nuno Salpico aponta o IP4: “Foi construído com as condições de segurança para a circulação a 60 quilómetros por hora, mas puseram lá sinalização que permite uma velocidade de 90.”

“Não pedimos que ponham lá o sinal de proibição de circular a mais de 60 km/h. Queremos é que cumpram com as normas técnicas para os 90. Este é, de resto, o pedido para as restantes vias”, segundo Nuno Salpico.

“Não tem havido acidentes mais graves porque colocaram separadores centrais de betão, que evitam as colisões frontais. Mas existem muitos acidentes, principalmente de condutores que batem no carro do lado, porque as curvas são aperta- das”, diz o juiz.

Reconhece que estas acções judiciais “são incómodas para o poder político”, mas garante que está determinado em levá-las “até às últimas consequências”.

PERFIL

Com 40 anos, Nuno Salpico é juiz no Tribunal do Barreiro. Natural de Portalegre, terminou o curso de Direito em 1991, após o que ingressou no Centro de Estudos Judiciários. Exerce como juiz desde 1995.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

O Ministério Público (MP) pode acusar o Estado?

Não. De acordo com a Constituição, o MP representa o Estado e deve defender a legalidade democrática. O MP é um órgão administrativo do Estado, que tem por função a acção penal. Funciona

como o advogado do Estado.

Se ficar provada a negligência na construção das estradas, quem pode ser responsabilizado?

O Estado não é responsável penalmente. A lei prevê o crime de infracção de regras de construção, mas só responsabiliza pessoas singulares – como em Entre-os-Rios. Com as mudanças no Código Penal, as pessoas colectivas também passam a ser responsabilizadas.

As famílias de vítimas de acidentes, em estradas consideradas perigosas, podem processar o Estado?

Sim. Quem sofre um acidente pode responsabilizar o Estado e este pode ser obrigado a pagar uma indemnização. O Estado é responsável civilmente pelos danos, só não é responsável penalmente. Por exemplo, se um acidente for provocado por um buraco numa estrada municipal, o lesado pode processar a autarquia.

Qual é o Tribunal competente para julgar um processo desta natureza?

Até 2004 eram os tribunais cíveis. Com o Código Administrativo, passaram a ser os tribunais administrativos a tratar destes processos.

ESTRADAS POLÉMICAS

SEGURANÇA GARANTIDA

O ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, garantiu que a A8 e o Eixo Norte-Sul são duas das vias com “menores índices de sinistralidade”. Também o secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, assegurou que foram respeitadas as normas na execução das estradas referidas.

NORTE-SUL INCOMPLETO

O Eixo Norte-Sul, cuja construção começou em 1992, só ficará concluído em Junho. A última fase dos trabalhos arrancou em 2004, tem uma extensão de cinco quilómetros e o seu custo final será de 60 milhões de euros. Nesta via circulam 50 mil carros por dia.

CRIL MAIS CARA 40 MILHÕES

A conclusão da Circular Regional Interior de Lisboa (CRIL) irá custar 100 milhões de euros – valor que excede em 40 milhões o custo do anterior projecto e que será pago na íntegra pela Estradas de Portugal, avançou ontem o secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos.

A construção dos 3,650 quilómetros do sublanço Buraca/Pontinha – lanço que vai concluir a CRIL – deverá ficar pronto dentro de dois anos e o arranque das obras está previsto para o final deste ano. Paulo Campos explicou ontem na Comissão Parlamentar de Obras Públicas sobre a conclusão da CRIL que parte do agravar dos custos resulta da salvaguarda do Aqueduto das Águas Livres, que “no anterior projecto seria destruído”, e da conservação dos edifícios das Portas de Benfica.

“Sessenta e cinco por cento da extensão da via será em túnel [contra os 40 por cento do projecto anterior]”, indicou também o secretário de Estado, sendo este um outro factor para o agravamento do custo. A infra-estrutura contempla ainda a construção de 770 metros do IC16 (Radial da Pontinha), os quais, em 50 por cento, são também em túnel (contra os zero antes previstos).

Ao sublinhar que o projecto da CRIL “está para ser concluído há 40 anos”, Paulo Campos garante que as alterações feitas, que contam com o acordo das três autarquias envolvidas (Lisboa, Amadora e Odivelas), vieram “dar resposta às recomendações feitas pelas entidades ambientais na minimização dos impactos acústicos, visuais e de qualidade do ar”.

“Há um esforço significativo, com custos crescentes do investimento público, para mitigar esses problemas”, disse, frisando que o projecto, parado desde 1997, virá permitir a requalificação urbana de uma zona degradada e retirar 30 mil carros por dia da Segunda Circular.

Helena Pinto, deputada do Bloco de Esquerda, disse não entender porque a CRIL faz uma curva para não passar na Quinta da Falagueira. Paulo Campos explicou que a opção de afastar o projecto dos terrenos da Falagueira decorre da imposição da declaração de impacte ambiental de que seja respeitado o traçado definido na servidão nos anos 70.

ESTADO ENCAIXA 195 MILHÕES COM LISBOA

Estado português recebeu ontem 35 milhões de euros do consórcio LusoLisboa pela concessão da Grande Lisboa e deverá receber mais 160 milhões até à conclusão da obra, prevista para 2009. Os números foram revelados pelo ministro das Obras Públicas, Mário Lino, durante a cerimónia de assinatura do Contrato de Concessão Grande Lisboa, que prevê a construção da nova A16, integrando os actuais IC30 e IC16, entre Alcabideche e Ranholas. O cónsórcio liderado pela Mota-Engil, vai ainda explorar os IC2, IC22, IC16, IC19, Eixo Norte-Sul e a CRIL. Todos eles na área da Grande Lisboa. Por seu lado, António Mota, em representação da LusoLisboa, prometeu cumprir todos os prazos previsto no projecto, de modo a poder participar em novos concursos que venham a ser lançados pelo Governo. Mário Lino não se mostrou preocupado com a providência cautelar interposta pelo concorrente derrotado no concurso da Concessão da Grande Lisboa - a Brisa - que levou o Governo a declarar o projecto como de interesse público.

VISIBILIDADE

Segundo as regras técnicas de segurança, a visibilidade no Eixo Norte-Sul não devia ser inferior a 180 metros, mas há zonas em que é só de 80.

CURVA APERTADA

No Eixo Norte-Sul, onde se pode circular a 80 km/h, as curvas deviam ter um raio de 420 metros. Existe uma com um raio de 145 metros.

FACTOR DE DESPISTE

Na chamada ‘curva da morte’ do IP4, no Alto do Espinheiro, o condutor é sujeito a uma força centrífuga três vezes superior ao estipulado por lei.

MORTES BAIXARAM NA A8

A Estradas de Portugal refere que, em 2005, se registaram 11 acidentes na A8, com dois mortos. Em 2004, houve 12 acidentes, com seis mortos.

SINISTRALIDADE EM 2006

Em 2006, 850 pessoas morreram nas estradas portuguesas, 3424 ficaram gravemente feridas, e 43 150 sofreram ferimentos ligeiros.
S.R.S.

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