terça-feira, 18 de setembro de 2007

A política abstracta


O carácter abstracto da política portuguesa sempre afectou os seus agentes: ministros, responsáveis do governo e da oposição.


A acção e o discurso políticos em Portugal têm um carácter demasiado abstracto. Talvez seja um vício latino. Gostamos de grandes discursos e de grandes intentos. Mas seria mais proveitoso para todos nós e para o país que o discurso político descesse ao concreto e a acção se centrasse em resultados e não em intenções, anúncios, planos, etc.

Uma das manifestações do carácter abstracto da política portuguesa é o seu juridismo. Quando se confronta um agente político com um determinado problema, a sua resposta tende a ser a de que já se está a preparar um projecto de lei, ou está em curso a regulamentação de uma lei já existente, com vista a resolver esse problema. Não funciona a protecção de menores? Muda-se a lei. Não há disciplina nas escolas? A lei tem de mudar. E por aí adiante. Vão-se mudando as leis e fica tudo na mesma.

É certo que vivemos num Estado de direito e, como tal, a vida política e social tem de ser enquadrada pela lei. Mas não deixa de ser irónico que, num país onde o cidadão comum não tem qualquer apreço pela legalidade e o sistema de justiça é o pior da Europa, os agentes políticos se concentrem nas modificações legislativas como solução para os problemas sociais.

Uma outra manifestação do abstraccionismo da nossa política é a apetência dos responsáveis pelas grandes declarações macropolíticas, acerca do terrorismo, da União Europeia, etc. Os responsáveis políticos tendem a falar como se fossem americanos, ou representantes de alguma potência média, e as suas reflexões gerais tivessem especial importância na cena internacional.

Mas aquilo que se espera de um responsável político português é que fale e aja como português e não como americano. Isso não significa ausência de interesse pela cena internacional – muito pelo contrário –, mas a capacidade para a interpretar do ponto de vista do interesse nacional e não dos desígnios da superpotência ou de qualquer outro aliado.

O carácter abstracto da política portuguesa sempre afectou a generalidade dos seus agentes: ministros e secretários de Estado, responsáveis do governo e da oposição. Quase todos parecem partilhar este amor incontido pelas palavras que nada adiantam e pelos projectos de lei que deixam tudo na mesma. Ao nível da direcção política vêm-nos à memória os exemplos de António Guterres e Durão Barroso. Eles tinham óptimas intenções e faziam excelentes discursos. Ambos falavam e agiam não como se fossem primeiros-ministros de um país pequeno e periférico na Europa, mas como ‘globetrotters’, políticos de dimensão europeia ou mesmo mundial. Por isso fugiram às suas responsabilidades para com aqueles que os elegeram. Hoje ocupam cargos para os quais parecem melhor talhados. No fundo, eles nunca foram primeiros-ministros de Portugal. Estiveram apenas a ganhar experiência para outra coisa.

A excepção contrastante é Cavaco Silva. Enquanto primeiro-ministro, o actual Presidente inaugurou um estilo diferente de fazer política, muito mais pragmático e menos interessado em tiradas abstractas, privilegiando a execução das políticas face às alterações legislativas. Não é de admirar que, enquanto Presidente, Cavaco venha pedir resultados e dizer com clareza quais são, neste momento, as áreas prioritárias da política nacional.

A mesma excepcionalidade da acção de Cavaco nota-se ao nível da política internacional. Ele sempre se interessou por esta área mas, diferentemente de outros Presidentes, nunca procurou pôr-se de bicos de pés. A acção diplomática de Cavaco, na Europa e fora dela, sempre foi voltada para a obtenção de resultados favoráveis ao interesse nacional, sem preconceitos ideológicos ou outros.

O perfil de Sócrates está mais próximo de Cavaco Silva do que dos anteriores (maus) exemplos. Como ministro de Guterres ele aprendeu o que não fazer e, como primeiro-ministro sob Cavaco, tem mostrado que sabe o que fazer. Agora que se aproxima a presidência portuguesa da União Europeia esperemos que não perca a concentração na missão nacional para a qual foi eleito, que não comece a pensar que os portugueses não o merecem e que a sua visão do mundo é tão abarcante e profunda que nunca poderá ser entendida pela “choldra”.
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João Cardoso Rosas, Professor de Teoria Política



Comentários

vg
Bom artigo,professor.Só ponho grandes dúvidas sobre Cavaco.Parece o major Valentão:"quantos são?quantos são?".Aguardemos os próximos discursos de Ano NOvo.Quanto a Sócrates, nunca vi outro PM com imaginário tão fértil.Esperemos que um dia perceba o país que governa ...

rcd
Gostei do seu artigo, mas o ultimo paragrafo quase que estraga tudo! Comparar Socrates com Cavaco, é um erro tremendo, porque Cavaco é um senhor com muitos conhecimentos de economia nacional e mundial, de gestão, de politica internacional, e sempre usou os mesmos, para nas grandes reuniões europeias conseguir grandes benefícios para Portuagal. Enquanto que Sócrates, deixa muito a desejar, em economia, e em politica internacional....

U.S.A
Subescrevo o comentario de rcd.

MAVERICK
Abstracto, você é poeta não? Evidente e bem palpável de facto, chama-se "sacar" a qualquer preço ...

O Crítico da Razão Prática
Só faltava mais esta: Sócrates como D. Sebastião...give me a break prof.! Sejam pragmáticos ou palradores, isso não me interessa muito. ficarmos concentrados em meras questões de perfil pessoal faz-nos perder a noção do que mais interessa: defendem ou não a causa pública? E para perceber isto, quem tem de perceber de economia, política ou sociologia somos nós.

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