domingo, 16 de setembro de 2007

GUERRA COLONIAL: Liga Combatentes vai exumar corpos na Guiné

A Liga dos Combatentes de Portugal assumiu liderar uma missão destinada a resgatar os restos mortais de três pára-quedistas portugueses mortos e enterrados em Guidaje (norte da Guiné-Bissau), em Maio de 1973, em plena Guerra Colonial.
Em declarações à Agência Lusa, o presidente da Liga dos Combatentes, general Chito Rodrigues, indicou que a operação de resgate, que poderá permitir também a recuperação, no mesmo local, dos corpos de cinco outros militares do exército, está dependente de uma autorização das autoridades guineenses, já contactadas informalmente pela embaixada portuguesa em Bissau.
O plano tem já «luz verde» do Ministério da Defesa português e é suportado financeiramente pela União Portuguesa de Pára-quedistas (UPP), sendo, inicialmente, um projecto elaborado pela família de um dos soldados cuja partida para Bissau estava prevista para hoje.
A composição da delegação que se desloca à capital guineense será apenas definida na próxima semana, depois de assinados acordos de cooperação com o Instituto de Medicina Legal (IML) e com a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.
Contactado telefonicamente pela Lusa, o ministro da Defesa da Guiné-Bissau, Hélder Proença, confirmou ter recebido já alguns dados do processo e indicou que o governo guineense «nada tem contra» a iniciativa, que considera «interessante», sublinhando, porém, que há a necessidade de ser formalizada.
«É uma iniciativa interessante e nada temos contra. Terá é de ser formalizada. Seria também interessante integrar a questão das trasladações dos corpos dos militares portugueses na cooperação técnico-militar com Portugal, de forma a reavivar a memória colectiva dos dois países», sustentou Hélder Proença.
O ministro guineense adiantou, por outro lado, que Bissau «irá, com certeza», apoiar uma questão que, disse, «parece pacífica» e que aguarda um pedido «formal» das autoridades portuguesas.
O projecto remonta a Setembro de 2005, quando um antigo sargento-mor dos pára-quedistas portugueses, Manuel Rebocho, que combateu também na então província portuguesa da Guiné, defendeu na na Universidade de Évora uma tese de doutoramento intitulada «Sociologia da Paz e dos Conflitos», Na preparação da tese, Rebocho descobriu o paradeiro dos corpos dos três «paras», enterrados em Guidaje, e, durante três meses, tentou, com sucesso, contactar as famílias das vítimas, a quem deu conta da situação e delas obteve a autorização para o respectivo resgate.
A partir daí, começou a ser montada uma «missão civil» para resgatar os três corpos, delegação liderada pelo próprio Manuel Rebocho e que envolvia mais oito pessoas, algumas delas familiares, entre elas a irmã do soldado António Neves Vitoriano, natural de Castro Verde, falecido no «teatro de operações» em Maio de 1973.
No entanto, diversas vicissitudes levaram a que a Liga dos Combatentes fosse contactada e a «missão civil», que se preparava para seguir hoje para a Guiné-Bissau, acabou por ser adiada, uma vez que é necessário repensar toda a operação logística.
Em declarações à Lusa, Conceição Vitoriano Maia, irmã de Vitoriano, arqueóloga e residente em Évora, manifestou-se «satisfeita» por a operação, em preparação há cerca de um ano, ir agora por diante, apesar de algumas burocracias a terem atrasado.
Além de Vitoriano, que faleceu aos 21 anos, dois outros soldados da Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 121 (CCP-121) acabariam por ser sepultados na pequena localidade de Guidaje, onde as tropas portuguesas tinham um aquartelamento junto à fronteira com o Senegal.
Trata-se de Manuel da Silva Peixoto, que contava 22 anos e era natural de Vila do Conde, e de José Jesus Lourenço, o mais novo dos três, 19 anos, nascido em Cantanhede, cujos corpos «ficaram para trás», contrariando o lema dos Pára-Quedistas «Nunca Deixar Ninguém para Trás», disse a irmã do soldado Vitoriano.
A equipa que Conceição Vitoriano Maia juntou para se deslocar à actual Guiné-Bissau já tinha tudo aprontado para a operação, incluindo o financiamento de 25.000 euros avançado pela UPP e pelas câmaras de Castro Verde, Vila do Conde e Cantanhede.
Faltava, porém, o aval da Liga de Combatentes, uma vez que a UPP estava dependente de uma autorização, o que foi ultrapassado terça- feira numa reunião realizada com todos os intervenientes na sede da organização criada há 83 anos, em Lisboa.
Nas declarações à Lusa, Chito Rodrigues lembrou que o papel da Liga não é resgatar e/ou trasladar os corpos dos militares portugueses mortos em combate e enterrados em solo inimigo, mas sim «honrar a sua memória, através da conservação das campas».
«A Liga dos Combatentes programa a concentração dos militares portugueses mortos em combate em cemitérios a criar para o efeito e, ao mesmo tempo, dignificá-los», sustentou, lembrando que a operação a desencadear é um «grão de areia» quando comparada com a realidade e que será a «excepção e não a regra».
Segundo Chito Rodrigues, existem registos de cerca de 6.000 militares sepultados fora do território português, 4.000 dos quais estão nos três principais teatros de guerra em África, nomeadamente nas três frentes de combate da Guerra Colonial - Angola, Guiné e Moçambique.
«No caso da Guiné, há a localização teórica dos locais onde estarão enterrados cerca de 750 militares portugueses, no eixo Bissau/Bambadinca/Bafatá/Gabu, a que se juntam os pouco menos de 1.500 detectados quer em Angola quer em Moçambique», sublinhou, lembrando que o número ascende a mais 2.000 se forem incluídos os portugueses mortos na I e II Guerras Mundiais.
«Temos cemitérios em África, mas também na Europa (França e Bélgica) e na Ásia. A nossa acção é muito mais vasta», sublinhou Chito Rodrigues, lembrando que, por razões várias, não há «relações nominais» de São Tomé e Príncipe, Macau e Índia (Goa, Damão e Diu), além dos 12.300 talhões cuidados pela Liga em Portugal.
Diário Digital / Lusa
16-02-2007 7:30:00

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