terça-feira, 18 de setembro de 2007

“Eu, Carolina”

Enquanto companheira de Pinto da Costa, Carolina era, para muitos, a mulher do diabo. Outro demónio, portanto. Para outros tantos, era a mulher de um deus. Uma deusa, então. Agora, separada e denunciante feroz de Pinto da Costa, Carolina já é, para quem a odiava, a alma que, recuperada das trevas, alcança, finalmente, a luz. Para os outros, os que a amavam, Carolina é já a megera, uma bruxa má, não mais do que um pedaço de lixo. Carolina Salgado parece ser a protagonista mais recente de uma velha máxima do nosso pequeno universo – o inimigo do nosso inimigo, nosso amigo é, ou o amigo do nosso inimigo, nosso inimigo é. Há que colocar, no entanto, as coisas em proporção e dizer já que Carolina Salgado é, apenas, uma mulher que tendo sido amada e, a seguir, seguiu o caminho da vingança, escrevendo um livro que põe a nú até o funcionamento intestinal da ligação que manteve com Pinto da Costa. Fez, afinal, Carolina o que não poucas pessoas fizeram, antes dela, e outras farão depois dela – reuniu tudo o que considerou que mais poderia ferir o alvo da sua vingança e publicou um livro, ao longo do qual foi espalhando pequenas notas pessoais, bilhetes, mensagens, breves declarações de amor, o sal necessário para que as feridas doessem ainda mais a Pinto da Costa. Um livro assim, escrito por uma mulher em busca da sua vingança, baseado numa vida a dois, com partilha total de espaços, palavras e movimentos, é uma arma destruidora e Pinto da Costa foi profunda, humilhante, dolorosa e mortalmente atingido. Dificilmente alguém sobrevive a uma agressão destas. A nova imagem de Pinto da Costa, a que emerge da narração íntima da sua ex-companheira, passa a ser a que o há-de preceder quando chegar a algum lado e que o há-de seguir quando abandonar qualquer espaço. Não sei se Pinto da Costa vai conseguir resistir aos efeitos devastadores desta vingança assassina e se haverá alguma coisa para lá do fim da linha que Carolina Salgado desenhou no caminho do dirigente portista. Mas também não sei se haverá futuro para a criatura que assina o livro e que podendo ser, certamente, recordada como a mulher que derrotou Pinto da Costa, será, seguramente, lembrada como a pessoa que foi capaz de expor aos olhos do mundo aquilo que era pertença exclusiva dela e de Pinto da Costa, uma parte da vida do casal, pedaços de intimidade, fragmentos reveladores da vulnerabilidade do coração, detalhes das fraquezas do corpo. Quem assim viola tantos implícitos compromissos de uma vida a dois, merece, francamente, a mais forte reprovação e muito pouco respeito. Resta, da sordidez deste episódio, aquilo que pode ser útil para a investigação do pantanoso terreno em que se atolou o futebol português - os elementos indiciadores da corrupção de árbitros, os detalhes reveladores do sistema de fugas ao segredo de justiça, os pormenores indicadores do plano para “limpar” o antigo vereador de Gondomar, Ricardo Bexiga. Carolina diz que sabe, que estava presente, que ajudou, que ouviu, e, até, que agiu. Será, a ser verdade tudo o que diz, cúmplice em algumas coisas, co-autora noutras. Espera-se que a justiça não se atrase e não se engane. E que descubra, julgue e puna responsáveis. Nem que tenha, no extremo, de julgar e punir, se esse for o caso, quem, irresponsavelmente, lançou acusações e delas depois se desviou, dizendo que não escreveu o que escreveu, que não disse o que disse, que não tem provas ou que nem sequer conhece quem as tem. O livro de Carolina, odioso pela intenção com que foi escrito, desprezível pela forma como a autora se aproveitou de todas as vulnerabilidades de um confiado amor, pode ter, afinal, como mérito único o de acelarar uma investigação que muitos acham que tem tido apenas duas velocidades – parada ou a andar para trás.
David BorgesJornalista

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