terça-feira, 18 de setembro de 2007

Lições do Mundial




















A selecção de Portugal fechou um ciclo e prepara-se para abrir outro. Com Scolari provavelmente, sem Luís Figo seguramente. O que significa a continuidade de uma forte liderança fora do campo e a necessidade de descobrir a próxima personalidade forte para comandar em campo. Este é, apenas, um dos problemas que Portugal enfrenta, resolvidos que estão outros, se calhar os principais.
Sob a liderança de Scolari, a selecção viu-se, finalmente, livre e independente e ganhou espírito de luta, disponibilidade para o esforço, união colectiva e, como consequência de tudo, despertou uma deslumbrante mobilização popular. Merece o “sargentão” aplausos por isso e talvez, se ele quiser, e tiver pachorra para tanto trabalho, a patente de “general” de todos os exércitos lusitanos.
Mas…há problemas por resolver. Uns situam-se na específica área do técnico; outros no campo da organização federativa; e alguns são exteriores e prendem-se com o patrioteirismo acrítico da comunicação social e a falta de exigência dos adeptos ainda e sempre severamente marcadas pela atávica convicção de que somos muito bons mas demasiado pequenos, que o mundo é grande e muito mau para nós, e que todas as forças do universo se aliam para nos tramar.
Adepto também eu das selecções mas por imperativos profissionais e de consciência forçado a colocar-me, perante elas, em posição distante, sem poder abdicar de um pensamento próprio, o que pressupõe análise, reflexão e crítica, sinto que devo deixar, a seguir, algumas notas que resultam da observação do Mundial e da atenção com que fui descobrindo os olhares estrangeiros para Portugal.
1 – A Federação Portuguesa de Futebol precisa de um líder técnico para todas as selecções nacionais, e esse líder não deve resumir-se a uma posição desenhada em algum organograma. O episódio Scolari-Agostinho Oliveira revelou que Scolari é “o chefe” do organograma mas não “o chefe” da estrutura e deve passar a sê-lo. E para quê? Para definir regras, conceitos, objectivos e um modelo. As selecções devem ter uma só imagem que, nos aspectos essenciais, venha a ser a que marca, nos planos positivos, a equipa principal. E depois, há que assegurar transições seguras e naturais tendo em vista o grande objectivo, a selecção principal.
2 – No plano directivo, a FPF deve fazer escolhas que garantam uma presença marcante portuguesa também no quadro da sua representação externa. Num Campeonato do Mundo, nem tudo se passa dentro do campo, e o que se sentiu, durante o Alemanha 2006, foi que Portugal tinha uma presença impressiva em campo, desaparecendo fora dele, o que talvez explique a eterna explicação para os insucessos – país pequeno, mundo grande, estruturas e árbitros contra nós…
3 – Portugal, no quadro das suas selecções, e é delas que estamos a falar, precisa imperiosamente de trabalhar a sua imagem em campo para que não se instale, internacionalmente, a ideia de ser uma selecção manhosa, capaz de todos os truques e de todas as simulações. Técnicos e jogadores devem assumir que Portugal é, hoje, uma das grandes selecções do mundo mas profundamente ligada a uma imagem de “jogadores provocadores e simuladores”. Uma nova imagem preciosa de ser criteriosamente trabalhada e, depois, defendida. Como escreveu Rodolfo Fernandes, no jornal Globo, “Portugal joga como o seu técnico: todos correm, todos reclamam, todos simulam faltas e penalties, todos levantando do banco para xingar o juiz ao mesmo tempo, e todos são determinados na busca do gol.” A imagem é falsa? É excessiva? Não interessa. Essa é a imagem internacional que a selecção projecta actualmente.
4 – Portugal tem, no seu quadro futebolístico, abundância de recursos em alguns sectores e confrangedoras carências noutros. Julgo que os responsáveis devem preocupar-se com as carências e desenvolver algum trabalho, mesmo a longo prazo, que permita obter resultados. O problema é especialmente grave no ataque, e o jornal inglês Times referiu, depois do jogo com a França, que “a falta de um atacante de classe superior pode ter custado a Portugal a presença na final do campeonato do Mundo”. Sem dúvida. Neste Mundial, Pauleta foi, como sublinha o crítico inglês Matt Dickinson, “uma espécie de homem invisível”, e para Hélder Postiga, sempre a segunda opção de Scolari, não há explicação. Nuno Gomes nunca foi hipótese e perguntamo-nos todos a razão disso. A imprensa não esclarece, porque não pergunta.
5 – O nosso jornalismo desportivo deve imperiosamente abandonar a sua posição de fanático apoio à selecção e agir nos planos em que, prestigiando-se pela abertura de espírito que, induzindo distanciamento, sentido crítico, capacidade de análise e coragem, coloque o trabalho nas selecções sob o devido escrutínio, com rigor, autoridade e honestidade intelectual. Esta “selecção nacional de todos” pode confortar os corações portugueses mas impede o crescimento e a definitiva conquista de um plano profissional que não acalente mais a ideia de sermos uma pequena aldeia de indomáveis lutando contra todas as legiões de César…
6 – E os adeptos de Portugal não podem deixar-se embalar por imagens de luta e manchetes lacrimejantes, devendo, até pela consciência das conquistas da selecção, tornarem-se cada vez mais críticos e exigentes. Neste Mundial em que Portugal não realizou uma única agradável exibição, apesar de ter derramado suor, lágrimas e sangue, tinham os adeptos o direito de reclamar por ela, ao menos em memória do que a selecção já fez em anteriores competições e pela consciência do que pode realmente fazer.
Para terminar, parece que o país está plenamente confortado com a ideia de que Portugal realizou um grande Campeonato do Mundo. Não é verdade. Portugal fez prova, no Mundial, de uma incomensurável vontade de lutar e ganhar, e isso é profundamente meritório. Porém, por indução técnica sobretudo, fixou-se Portugal à ideia dominante neste Mundial: a de que só a jogar feio se ganhariam jogos. E abdicou da sua principal virtude, que é a de ser capaz de jogar ao ataque e de jogar futebol bonito. Talvez por isso não tenha conseguido dar o último passo para a final. Foi também por isso, pela renúncia a um futebol feito de técnica e ousadia, que Argentina e Brasil se foram embora. E, ironicamente, foi com futebol ousado e bonito que a Itália, no prolongamento com a Alemanha, e a França, no jogo com o Brasil, abriram caminho para a final de Berlim, provando, aparentemente, que ainda ganha quem consegue ser melhor e jogar melhor.
David BorgesJornalista

Missing the point (2006-07-07 20:08:26) Enviado por cajó Os recentes artigos de David Borges sobre a selecção, fazem com que eu pense que esteve até agora a hibernar num qualquer lugar recôndito. As pessoas estão com a selecção não porque sejam acriticas é porque têm memória, coisa que me parece não ter. As pessoas já estavam fartas do controle da selecção e do futebol portugues por uma cambada de mânfios, e é curioso que nunca lhe li então nenhum incómodo. Depois cita criticos ingleses, quando esse problema é visivel há que tempos no futebol portugês e já muito falado, olhe desde Carlos Queiroz ou anteriormente, não é preciso ser um "estrangeirado" para perceber tal, aliás com os ingleses não temos nada a aprender no futebol.O sr.Dicikinson devia era olhar para o futebol inglês, que por mais estrangeiros que contratem e milhões que gastem não saem da cepa torta, é um caso nitido de mediocridade e incompetencia. Já para não falar do triste espectaculo da media tabloide inglesa e francesa com a perseguição ao C. Ronaldo e á equipa portuguesa, a isso eu chamo xenofobia e racismo. Claro que o david Borges como intelectual da bola que é deve achar que eu sou pequenino e atávico, não sou sr. David Borges, não sou é complexado. Diz que Portugal não fez nenhuma exibição de jeito? toda a carreira neste Mundial foi de jeito sr. david Borges, culminando no jogo com a França, não só porque conseguimos resultados, mas porque o foi de facto. Uma coisa me parece estranha neste seu enumerar de situações, não se refere á corrupção.O que me parece muito estranho, já que á poucos meses foi arquivado o Apito Dourado, onde se provou que arbitros recebiam favores de prostitutas antes de apitarem certos clubes. Como o em Itália se está a julgar um caso idêntico, estranho o sr. david Borges não ter lido nenhum jornal italiano ou critico italiano sobre a corrupção no Futebol.Não vê nenhum paralelismo ou acha que esse não é um problema em Portugal? É estranho muito estranho, tão desempoeirado tão critico contra os acriticos, tão english review e a corrupção nem uma linha. É o que eu digo deve ter estado a hibernar num lugar recondito.

Ilusão de óptica (2006-07-06 18:06:10) Enviado por Puga Concordando genericamente com os considerandos expostos, discordo em absoluto das observações finais. Não é verdade que Portugal não tenha feito uma única exibição agradável, tal como é falacioso o argumento de que jogando bonito a França chegou à final. O jogo contra Portugal desde logo desmonta este último argumento. Jogar futebol de ataque puro e duro é meio caminho para o suicídio, como a história futebolística das últimas dezenas de anos tem amplamente demonstrado. Portugal demonstrou enorme consistência táctica, confiança e vontade de conquista. Faltou-nos, porém, um “número 10” à altura de si próprio e, evidentemente, um finalizador. O Deco que vimos foi uma sombra do Deco que desejávamos. O Pauleta que vimos foi uma sombra do Pauleta que precisávamos. Sejamos lúcidos, a ideia de que se alcançam grandes triunfos praticando futebol de ataque roça de alguma forma o romantismo. Triunfos sim, mas morais. Os tais que passámos anos a lamentar.

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