terça-feira, 18 de setembro de 2007

Dona Flor e seus dois credores


O judo é uma arte marcial em que se aprende a derrotar o adversário mais forte usando o seu próprio peso contra si. É o que a Sonaecom está a fazer com a PT. E 63% de valorização em Bolsa depois, a Sonaecom está a ganhar.
Paulo Azevedo já colocou dois "OK" na sua folha: Mateus OK, Tavares OK. Sem grandes entorses ao projecto. E pelo mesmo preço. Mas nas próximas 8 semanas, há mais do que um (para já inútil) período de compra de acções: há que convencer o BES.
Onze meses depois, é hoje evidente que o lançamento da OPA teve mais do que a inspiração bíblica de David ante Golias. Teve a necessidade, a oportunidade e o ensejo.
A necessidade porque o projecto da Sonaecom definhava - a OPA é uma fuga para a frente, aliás cheia de mérito: se não os podes vencer, compra-os. A Sonae cavalgou para não cair.
A oportunidade porque a PT se pôs a jeito (pouca dívida, espaço para crescer) mas também porque as acções das telecom europeias estavam circunstancialmente baixas, por causa do pessimismo sobre o impacto da voz sobre Internet no seu negócio.
O ensejo porque a Sonae quis crer no incrível: que a Concorrência autorizaria uma fusão nos móveis, que a banca lhe emprestaria tanto dinheiro, que o Governo estaria disponível para deixar a oferta rolar.
A funda dos Azevedo acertou de facto no meio dos olhos da inexpugnável PT. Como o Sérgio Figueiredo aqui escreveu no dia seguinte ao anúncio da OPA, "A PT morreu, viva a nova PT". Onze meses depois, essa "morte e vida" é um facto, que vai além da entrada de um surpreendente presidente executivo, que mandou a ainda audível orquestra para casa e mandou vir quem reparasse o Titanic a tempo de evitar um naufrágio no ridículo.
Henrique Granadeiro fez na sexta-feira uma vigorosa conferência de imprensa (duas horas e mais de 30 notícias no Jornal de Negócios Online nessa tarde), que resumiu dando seis razões para rejeitar a OPA. A Sonaecom dá uma: 9,5 euros. Porque mesmo o calcanhar de Aquiles da sua proposta (a dívida altíssima e o paradoxo de ter de vender os activos que geram "cash flow" da PT para pagá-la, comprometendo o seu futuro) é problema dos que ficam na PT - não dos que vendem.
O negócio com a Telefónica estará feito.
A negociação com o Governo está no prospecto: controlo accionista, poderes especiais, fundo de pensões e internacionalização. Aliás, se o silêncio do Governo até à Assembleia Geral é uma valorização da sua posição negocial, ele acaba dissuadir ofertas concorrentes: se o Governo apadrinhasse a proposta Sonae, dificilmente poderia negar-se noutras ofertas mantendo o conveniente emblema de "amigo dos mercados". (Pois...)
Sobra o BES. Tem 8% directos na PT e alguns amigos com participações qualificadas. E aqui há uma trama curiosa: a Sonae denuncia no registo da OPA que há "conflitos de interesses estratégicos entre accionistas" e participações cruzadas que levam "à falta de transparência e a incentivos não independentes". A Sonaecom está também a falar do BES, insinuando que o banco está interessado não só no desempenho da PT mas também em assessorar a empresa nas suas operações comerciais e de investimento. Mas como vai a Sonae convencer o BES a vender (ou a ficar mas votando a seu favor na AG) sem aumentar preço ou sem se comprometer?
Como vai a Sonae garantir a independência da "sua" PT se fica tão vulnerável aos bancos estrangeiros que lhe pagam a aventura?
Pedro Santos Guerreiro

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