terça-feira, 18 de setembro de 2007

Uma lição tailandesa


Nos passados dias 19 e 20 de Dezembro de 2006, já muito próximo das festividades do Natal e Ano Novo, tivemos mais uma amostra de como a insensatez dos governos/autoridades pode ser rapidamente corrigida pelos mercados.
Desta vez, o caso ocorreu no Extremo Oriente, mais propriamente na longínqua Tailândia, e talvez por isso não tenha merecido uma maior atenção cá no burgo.
Resolvi, por isso, abordar no artigo de hoje o que aconteceu e as lições que, a nível global, daí podem ser retiradas.
Desde o início de 2006 e até ao dia 18 de Dezembro, a moeda tailandesa, o baht (THB), já se tinha apreciado mais de 16% face ao dólar, o que, naturalmente, estava a ter efeitos nefastos sobre as exportações locais (e a tornar o país menos competitivo face a outros concorrentes da região, nomeadamente a China), que representam cerca de 2/3 do PIB tailandês. Face a esta situação, e certamente alinhado com o governo local, o banco central tailandês (Bank of Thai-land, BOT) resolveu anunciar, nesse dia 18 (e já depois do fecho dos mercados), um conjunto de medidas restritivas/proteccionistas que, resumidamente, se consubstanciavam no seguinte:
- A partir de 19 de Dezembro, quaisquer novas entradas de divisas estrangeiras no país deveriam estar sujeitas a um depósito de 30% do total no banco central – o que significa que apenas 70% do montante inicial ficaria disponível para investir nos mercados accionista e obrigacionista locais (as divisas destinadas ao comércio de bens e serviços, bem como a repatriação de investimentos efectuados no exterior por residentes não seriam abrangidas por este novo enquadramento);
- Se os investidores pretendessem retirar os seus fundos do país antes de um ano, apenas poderiam reaver 2/3 dos 30% inicialmente depositados (o que, na prática, equivalia a uma multa de 10% para operações financeiras cujo prazo fosse inferior a 12 meses).
Terminava o comunicado do BOT referindo que "(?) a situação corrente [anterior a dia 19 de Dezembro] requer a introdução de medidas desta natureza para prevenir pressões especulativas sobre o THB. O BOT acompanhará com atenção e avaliará o impacto destas medidas".
O resultado foi que, no dia seguinte ao anúncio do comunicado (19 de Dezembro), o principal índice do mercado accionista tailandês, o SET (Stock Exchange of Thailand), caiu mais de 15%, levando, num ápice, a uma quebra da capitalização bolsista superior a EUR 17.5 mil milhões, ou quase 10% do PIB tailandês (ou ainda, se se quiser, mais de 11% do PIB português)!... Ao mesmo tempo, levado na torrente de debandada de capitais do país, o THB depreciou-se quase 2% contra o dólar?
? E portanto, perante este descalabro, o acompanhamento e avaliação do BOT não durou mais de 24 horas: no mesmo dia 19, e outra vez depois do fecho dos mercados, foi anunciada a retirada destas medidas e a reposição do enquadramento – muito menos restritivo – que até aí vigorava. Em consequência, no dia 20, o mercado accionista subiu mais de 11% e o THB recuperou 1.2% contra o dólar.
No entanto, mesmo com a situação a voltar ao normal nos mercados financeiros com (i) a "emenda de mão" por parte do BOT; e (ii) declarações de responsáveis da Bolsa de Bangkok referindo que a suspensão das decisões do banco central tinham reposto a confiança dos investidores; a verdade é que, no final de 2006, o índice SET ainda estava cerca de 7% abaixo do nível atingido em 18 de Dezembro, indiciando que a reputação do país (e das suas autoridades?) poderá ter sido danificada, diminuindo a confiança mesmo a médio e longo prazo. (Devo aqui referir que a queda na bolsa tailandesa se agudizou no início do ano, mas desta vez devido aos ataques bombistas em Bangkok durante o período festivo do ano novo, que provocaram vítimas mortais – e que vieram minar ainda mais a confiança e poderão afectar a economia via turismo/investimento – mas que são acontecimentos de outra natureza, que não podem ser confundidos com os factos de 18 e 19 de Dezembro. A queda do índice SET situava-se, ontem, 8 de Janeiro, em mais de 13% face a 18 de Dezembro, e em cerca de 7% em relação ao fim de 2006).
Na prática, as medidas do BOT acima referidas significavam basicamente a introdução de um imposto sobre movimentos de capitais nos mercados financeiros por um período inferior a um ano – e se, historicamente, acções deste tipo sempre foram mal recebidas pelos investidores (afugentando-os mesmo), em plena era da globalização os capitais "voaram" com a maior das facilidades para outras paragens, pois a volatilidade é maior que nunca.
Devo confessar que tenho dificuldade em entender a decisão das autoridades tailandesas, até porque se o objectivo era abrandar ou mesmo inverter a apreciação do THB, travando a perda de competitividade do sector exportador, poder-se-ia, por exemplo, ter descido a taxa de juro directora (repo), que se encontra em 5% – até porque, nesta altura, a inflação se encontra em 3.5%, depois de ter subido acima de 6% durante a primeira metade de 2006? E, assim, o mercado accionista não teria sido negativamente afectado – ao contrário, com taxas de juro a descer, o efeito até poderia ter sido positivo!... Isto além de que a confiança dos investidores no mercado tailandês (e nas próprias autoridades do país) não teria sido colocada em causa – como creio que sucedeu com este episódio...
? Que deve servir também como lição para outros governos/autoridades de outros países, onde quer que se situem: quem não perceber o mundo globalizado e muito volátil em que hoje vivemos poderá ser severamente penalizado. Quaisquer medidas restritivas que se assemelhem à introdução de impostos têm apenas, como o exemplo tailandês bem mostrou, o condão de afugentar investidores, minar a confiança dos agentes e destruir riqueza. Por isso, deve hoje exigir-se sempre bom senso e ponderação às autoridades de um país quando lidam com questões desta natureza.
Claro que numa nação pequena, periférica e em que a liquidez nos mercados financeiros já não é forte, como é Portugal no contexto europeu, esses cuidados devem ser ainda mais redobrados. E, por isso, a lição tailandesa, até por ser bem recente, deve estar presente nas mentes de todos, sobretudo daqueles mais radicais que, certamente possuídos das mais nobres intenções, mas sem se aperceberem minimamente da realidade que nos rodeia, querem tributar (ainda mais!...) tudo e todos.
Os mercados costumam ser implacáveis. Convém, por isso, não caminhar na direcção errada, nem lhes dar argumentos para agirem como tal.

Miguel Frasquinho

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