segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Um outro 11 de setembro ou o não julgamento de Pinochet

Corria o ano de 1973, ano bastante tenso na política internacional, ano de muito debate filosófico e político, auge da guerra fria, os EUA as voltas com o escândalo Watergate e tentando descobrir a hora de sair do Vietnã, a Europa com medo da OLP, e de uma possível invasão a qualquer tempo da URSS, surtos de independência na África, o mundo todo com medo da Crise do Petróleo, tudo isso motivado por movimentos políticos de esquerda, centro ou direita e, no nosso continente, não era diferente.Resultado de uma articulação da política externa norte americana, a América Latina foi “militarizada’’ e o Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, articulados por Kissinger na chamada Operação Condor, cujo objetivo era legitimar ações de caça, prisões, torturas, assassinatos, operações de seqüestro e ou simplesmente desaparecimentos de cidadãos que, potencialmente, poderia resultar em alguma oposição para os regimes ditatoriais impostos, operação derivada e fundamental para manter os regimes instalados. ‘’Um combinado’’ entre esses países que todos os direitos jurídicos e políticos suprimidos, onde, os agentes da repressão poderiam levar um cidadão sob suspeita de um território a outro facilmente. No ano anterior surge uma grande esperança com a eleição de Salvador Allende no Chile, o primeiro governo marxista eleito pelas urnas no mundo, a chamada ‘’ via chilena para o socialismo’’ prometendo distribuir renda, reforma agrária, estatizou as minas de cobre, principal produtor mundial e dessa forma, atraindo grande esperança de uma esquerda, que queria uma outra opção que não o partido único do leste europeu e da China migrando para lá, grande parte da esquerda brasileira exilada.Nesse contexto a cultura, se destacando a música e a poesia, teve uma importância vital de resistência e esperança, de voz e de denúncia, de consolo dos gritos presos na garganta, de olhos lacrimejados e passeatas, de recados de longe e sussurros de perto, de ousadias e de renúncias dos povos oprimidos pelos governos totalitários que se instalavam a cada crise institucional.No Brasil, para tentar enganar os sensores os compositores produziam metáforas belíssimas, Chico Buarque confessou uma vez, que, de tanto ser censurado, ele já se auto censurava, era a época das canções de protesto no Brasil, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Taiguara, Geraldo Vandré e outros produziam sem parar, Woodstock ainda soava forte, protestos Hippies, Bob Dylan, Pablo Milanês e outros. Neruda, escreveu e Joan Baez musicou um ícone esperançoso e belíssimo de resistência “ No No Nos Moveran’’ , e, no Chile de Allende a Nueva Canción que tinha em Victor Jarra seu líder maior fervilhava.No dia 11 de setembro de 1973, o Comandante das Forças Armadas do Chile, General Pinochet chefia um violentíssimo golpe de estado, bombardeando o Palácio de La moneda, com o intuito de matar Allende e todos seus ministros que lá estariam reunidos. Seguiu-se o manual, o Estádio Nacional, juntamente com Cuatro Álamos, Villa Grimaldi, e o Estádio Nacional de Santiago foram utilizados como campos de detenção e tortura, assim como a Oficina Salitrera Chacabuco, a Ilha Dawson na Patagônia, o porto de Pisagua, o navio-escola Esmeralda e outros locais ao longo do país, mais de três mil mortos, mais de 300 mil foram torturados sistematicamente, acusações a todos instantes nas cortes internacionais, Nerruda, detido em Islã Negra, falece duas semanas depois em Santiago. As torturas eram em público, Pinochet não se fazia de rogado. Victor Jara, em 16 de setembro, detido no Estádio Nacional, pega seu violão e começa a cantar para confortar os companheiros, em determinado instante soldados quebram seus dedos e o desafiam a cantar, não se intimidando, vencendo as dores, continua a cantar para seus companheiros, um soldado mais afoito, com um facão corta seus punhos e em meio ao sangue renova o desafio, sem as mãos, Victor continua a cantar e tocar seu violão e também a desafiar o novo regime, era preciso calá-lo, na frente da multidão de companheiros é calado com um tiro na cabeça. Assim começou e se estabeleceu Pinochet porque assim estabeleçe o manual de todos os facínoras e déspostas que não admitem a existência do pensamento diferente do seu, e, se igualam a ele, ao menos em pensamento, todos os que se solidarizam a ele. Sua morte sem julgamento não pode ser um perdão tácito pelos seus crimes, se morre o criminoso, trata-se de crimes contra a humanidade, não se morre o crime e seus efeitos, não se apaga 17 anos de medo e o povo chileno tem todo direito em clamar por esse julgamento, nem que seje somente simbólico, é um encontro com a sua história.Julgá-lo é não esquecer a maldita caravana da morte, homens que durante dias, logo depois do golpe, saíram viajando pelo Chile, e sem julgamento nenhum, arrancavam da prisão adversários políticos e os fuzilavam com tiros na cabeça, não julgá-lo é também não julgar os crimes cometidos contra a humanidade em todos os países, entre eles nosso querido Brasil, é dar um salvo conduto á tortura, seqüestros e assassinatos de diferentes e, também, acima de tudo legitimar a política de intervenção norte-americana, talvez daí o porque do não julgamento até hoje.
Ananias Costa dos Santos
ananiascosta1@hotmail.com

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