terça-feira, 18 de setembro de 2007

Será que um dia o Barreiro deixará de ser vítima dos preconceitos?



Eu sou do Barreiro – digo isto com naturalidade e sem querer traçar fronteira nenhuma do tipo “nós e os outros” – e a malta do Barreiro cresceu a ouvir dizer que o Barreiro era uma terra do pior. Quando se fazia uma excursão da escola a qualquer lado, sempre que dizíamos que vínhamos do Barreiro lá vinha o comentário – épá aquilo é terrível, não é? – e a malta aliviava os ânimos e gozava um bocado. Isto porque em bom rigor, o Barreiro que, diga-se brevemente, foi durante anos fustigado por uma forte poluição industrial em nome de um objectivo nacional, é um local bem diferente desses tempos e já há aí pelo menos uns 20 anos.

Eu sempre comprei o Expresso. Quer dizer, nem sempre, mas desde que comecei a ler jornais, o Expresso foi sempre o meu jornal de eleição. Fui dos primeiros leitores a assinar o serviço on-line, e fiquei muito contente por isso, uma vez que me permitia continuar a ter o prazer da sua leitura com duas vantagens: não era preciso gastar papel, tinta e o resto, ao mesmo tempo que não recebia as montanhas de brochuras publicitárias que só me enchiam o caixote e que na maior parte das vezes nem via. Um “choque tecnológico” acabou com a minha assinatura contra a minha vontade, mas mesmo assim eu não desisti e voltei à versão papel, mesmo com as desvantagens conhecidas.

No domingo de manhã, fui à Moderna buscar o jornal como sempre e depois de almoço entretive-me a ler o Jornal enquanto o meu puto dormia a sesta. Quando acabei a leitura da revista, em especial da reportagem intitulada “Classificação Expresso das melhores cidades portuguesas para viver em 2007” fiquei triste. Podem achar lamechice, ou dizer que é um exagero, mas é a verdade.

Eu sou do Barreiro – digo isto com naturalidade e sem querer traçar fronteira nenhuma do tipo “nós e os outros” – e a malta do Barreiro cresceu a ouvir dizer que o Barreiro era uma terra do pior. Quando se fazia uma excursão da escola a qualquer lado, sempre que dizíamos que vínhamos do Barreiro lá vinha o comentário – épá aquilo é terrível, não é? – e a malta aliviava os ânimos e gozava um bocado. Isto porque em bom rigor, o Barreiro que, diga-se brevemente, foi durante anos fustigado por uma forte poluição industrial em nome de um objectivo nacional, é um local bem diferente desses tempos e já há aí pelo menos uns 20 anos.

Mas não obstante essa diferença abismal, as ideias feitas e os preconceitos são rijos, resistentes e não têm infelizmente prazo de validade, por isso duram muito mais do que devem. Muitos dos meus conterrâneos percebem o que quero dizer e estou certo que pensam da mesma forma – é preciso mostrar ao resto do país – que pensa que o Barreiro é um inferno – que o Barreiro é uma cidade normal, com sítios muito bonitos, com paisagens que conservam ainda uma forte marca natural, e com todas as características das cidades que cresceram urbanisticamente sem regras durante demasiados anos, como aliás diga-se quase todo o resto do litoral português.

Ora, quando vi uma classificação de cidades, sobre a qual os seus autores diziam, e passo a citar “Orgulhamo-nos de aqui apresentar a primeira grande avaliação de cidades feita em Portugal.” – as minhas expectativas eram altas. À medida que fui lendo este trabalho jornalístico, como assim é designado, comecei por louvar o reconhecer da subjectividade na avaliação que era feita pelos seus autores, ao mesmo tempo que comecei a ficar um bocadinho preocupado com esta afirmação. Inevitável era ir à tabela ver se o Barreiro estava incluído na análise e que posição lhe havia sido atribuída. Bom, confesso que não estava à espera. Penúltimo lugar – ou segundo a contar do fim – depende de onde se queira começar! Brincadeiras à parte, que eu acho este assunto bem sério, ative-me com especial atenção aos critérios a que o júri do Expresso havia recorrido para chegar aqueles resultados. Foi aqui que começou a minha preocupação.

Para uma classificação de “…melhores cidades portuguesas para viver em 2007”, estava á espera de critérios como o acesso à saúde, a educação, a assistência social na velhice, a qualidade do ar, os níveis de ruído, a rede de transportes públicos, a existência de ciclovias e modos de transporte alternativos, apenas para referir algumas. Na verdade, alguns dos critérios usados fazem-me todo o sentido, mesmo que na peça não nos tenham sido descritos em detalhe.

Questões como a segurança, os espaços verdes, a qualidade dos espaços públicos, a qualidade urbanística, a relação com a água e a paisagem, ou as acessibilidades e a fluidez de tráfego, que fizeram parte da análise, parecem-me totalmente adequados. Da mesma forma, e atendendo a que a tão desejada sustentabilidade se suporta em três pilares – o ambiental, o económico e o social – critérios também usados na avaliação, como a oferta cultural, os equipamentos desportivos, o património, a governança e a cidadania ou o desempenho económico, fazem-me todo o sentido. O problema, e assumindo que a forma como foram atribuídas as classificações em cada um dos critérios foi, como os próprios assumiram, subjectiva e dependente da sua percepção individual, é que não podemos comparar coisas que não são comparáveis, nem misturar “alhos com bugalhos”, como diz o povo.

Calcular uma média parece á primeira vista uma forma de chegar a um resultado que até nos pode ser útil para tirarmos algumas conclusões, mas nem sempre isso é verdade. Se dois de nós estivermos na mesma sala com dois copos de água e precisarmos dela para sobreviver, em média cada um de nós beberá um copo de água e sobreviveremos os dois. O problema é que se a realidade for diferente e deixar que um de nós beba os dois copos de água, o outro morrerá e a conclusão que retirámos foi completamente errada – mas o cálculo da média estava correcto.

Usar como critério para aferir a qualidade de uma cidade para se viver, a animação nocturna, pode parecer à primeira vista sectário e restrito aos cidadãos que assim ocupam o tempo, mas percebe-se que abrange uma parte significativa dos jovens e aceita-se naturalmente como um critério a ponderar. Já fazer entrar nos cálculos para a classificação das melhores, um critério que assenta no alojamento turístico, é para mim não só imperceptível quando atento ao objectivo dos autores, como me preocupa a misturada que este vai causar na avaliação global.

Decidi então fazer um exercício – não tenho assim tanto tempo para gastar em actividades lúdicas, mas achei que esta me ia dar algum gozo – e passei para uma folha de cálculo os resultados das avaliações de cada uma das cidades em todos os critérios. Ora, brincando um pouco com os dados, para usar uma expressão comum dos matemáticos, comecei a perceber que alguns critérios tinham influência preponderante na classificação final. Da mesma forma, centrando a minha atenção nos resultados obtidos pelo Barreiro, percebi que afinal aquele penúltimo lugar não era consentâneo com a classificação acima da média obtida no critério “Espaços Verdes”, um dos critérios que me parece merecer uma ponderação forte quando se avalia um local para viver. Resolvi então, e mantendo naturalmente todas as classificações atribuídas pelo júri do Expresso, dividir os critérios usados por este em dois grupos distintos, agrupando-os pela sua natureza: critérios ambientais e critérios culturais e sócio-económicos.

Devo aqui referir que tomei a liberdade de, tratando todas as cidades por igual, não considerar dois dos critérios usados na classificação: o alojamento turístico e a capacidade de atracção estudantil. No primeiro caso, tal como já referi, considero desadequado utilizar este critério na classificação da capacidade de uma cidade para proporcionar qualidade de vida aos seus habitantes. No segundo caso, considero que o poder de decisão para dispor de oferta de ensino superior – diga-se que é apenas este nível de ensino em Portugal que pode ser considerado como concorrencial entre cidades, uma vez que até este nível, todos os concelhos dispõem de oferta para os seus habitantes – não está cometido às cidades e aos seus governantes locais, mas sim à administração pública central e por isso, não me pareceu adequado considerá-lo na avaliação e classificação diferencial das cidades.

Considerando então dois grupos dentro dos critérios usados pelo Expresso e mantendo rigorosamente a classificação atribuída pelo Júri, a distribuição usada foi a seguinte:

Critérios Ambientais

- Acessibilidades;
- Sinalética;
- Fluidez de Tráfego;
- Espaços Verdes;
- Qualidade Urbanística;
- Relação com a Água e a Paisagem;
- Estacionamento;
- Segurança;
- Governança e Cidadania;
- Qualidade dos Espaços Públicos.

Critérios Culturais e Sócio-económicos:

- Oferta Cultural;
- Comércio;
- Equipamentos Desportivos;
- Animação Nocturna;
- Restauração;
- Equipamentos Sociais;
- Património;
- Desempenho Económico.

A Lista Ordenada das Cidades tomou então estas duas formas:

Ambientais

1 Beja 610
2 Évora 605
2 Guimarães 605
3 Aveiro 600
4 Angra do Heroísmo 595
5 Vila Real 590
5 Figueira da Foz 590
6 Coimbra 585
7 Elvas 580
7 Viana do Castelo 580
8 Ponta Delgada 575
8 Tomar 575
9 Vila do Conde 570
10 Silves 565
10 Horta 565
11 Matosinhos 560
12 Barcelos 555
12 Espinho 555
12 Mirandela 555
12 Lagos 555
13 Tavira 550
13 Amarante 550
14 VRSAntónio 545
15 Covilhã 540
15 Lamego 540
15 Porto 540
16 Portalegre 534
17 Funchal 525
18 Peniche 520
18 Seixal 520
18 Lisboa 520
19 Abrantes 515
20 Viseu 510
20 Chaves 510
21 Caldas da Rainha 505
21 Faro 505
22 Torres Novas 495
22 Vila Nova de Gaia 495
30 Portimão 410
31 Almada 405
32 Amadora 390

Culturais e Socio-Económicos

1 Lisboa 630
2 Porto 555
3 Braga 545
4 Guimarães 535
5 Aveiro 490
5 Évora 490
6 Funchal 480
6 Coimbra 480
7 Vila do Conde 475
7 Angra do Heroísmo 475
8 Ponta Delgada 470
8 Setúbal 470
8 Vila Real 470
9 Figueira da Foz 460
9 Leiria 460
10 Viana do Castelo 455
10 Matosinhos 455
10 Barcelos 455
11 Tomar 450
11 Faro 450
11 Viseu 450
12 Elvas 445
12 Caldas da Rainha 445
13 Covilhã 440
14 Peniche 435
15 Lagos 430
15 Vila Nova de Gaia 430
15 Beja 430
16 Amarante 425
16 Portalegre 425
16 Tavira 425
17 Santarém 415
18 Bragança 405
18 Almada 405
19 Espinho 395
20 Chaves 390
20 Torres Novas 390
21 Barreiro 385
22 Mirandela 380
23 Amadora 375
24 VRSAntónio 370
25 Horta 355
26 Silves 350
26 Lamego 350
27 Castelo Branco 340
28 Seixal 330
28 Portimão 330
29 Guarda 310
29 Fundão 310
30 Abrantes 265

Veja-se então, não só o que acontece ao Barreiro quanto à sua posição diferencial, mas o que acontece por exemplo, a Lisboa, Guimarães, Évora e ao Porto, os primeiros quatro classificados na tabela inicial publicada pelo Expresso. Não podendo deixar de ficar preocupado pelo facto de o Barreiro, em relação à classificação ambiental, continuar no fim da tabela, desta vez em quarto a contar do fim, é sem grande surpresa que constato que, ao mesmo tempo que Évora e Guimarães mantêm os segundo e terceiro lugares, mudando apenas de posição, já Lisboa e o Porto passam do primeiro e terceiro lugares, para o décimo oitavo e décimo quinto lugares, respectivamente. Ora, aqui é que está a diferença - uma análise mais fina e por isso menos simplista e mais próxima da realidade mostra resultados mais fiáveis.

Na verdade são conhecidos de todos – ou quase – os fortíssimos problemas de acessibilidades e fluidez de tráfego, estacionamento, paisagem, urbanismo, espaços públicos, entre outros, que se vivem nas cidades de Lisboa e do Porto, que ajudam a perceber sem dificuldade esta posição na tabela dos critérios ambientais. Da mesma forma, a análise da tabela dos critérios culturais e sócio-económicos também me deixou um bocadinho menos triste. Não só, mas claro que também, por ver o Barreiro subir orgulhosamente para meio da tabela, mas por perceber que aqui este agrupar de critérios faz sentido por colocar as maiores cidades no topo da tabela, o que corresponde também aquilo que é a realidade conhecida de todos – ou quase – e que não é a calculada com métodos estatísticos.

Depois de uma introdução à peça, onde se aponta a bandeira do ambiente e se referem até as estratégias dos políticos nas últimas eleições autárquicas, misturar a análise da qualidade urbanística ou dos espaços verdes com a restauração ou a sinalética, não me pareceu uma abordagem adequada a uma questão tão importante. Por isso me preocupei a perceber melhor onde estamos, porque valorizo o trabalho do Expresso e esta peça me deixou especialmente preocupado.

Mas felizmente afinal já não estou tão preocupado, embora continue um bocadinho triste. O Barreiro onde eu vivo afinal não estando bem, não está no fim da tabela só porque tem sempre que ser a ovelha negra. Há razões para estar e essas devem preocupar-nos a todos. Mas há razões que nos fazem estar no meio dos outros como iguais e essas devem-nos fazer motivar para resolver os problemas que se nos colocam no dia-a-dia.

Pode ser que um dia consigamos mostrar que afinal é bom viver no Barreiro!

Nuno Banza

Rostos


9 - 1 - 2007

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