terça-feira, 18 de setembro de 2007

Qualquer zona de sombra é mau para o País




Carlos Coelho, Eurodeputado, é o presidente da Comissão Temporária do Parlamento Europeu para averiguar os voos ilegais da CIA no espaço da União Europeia. Opôs-se às audições de Paulo Portas e Figueiredo Lopes, mas considera vantajoso a realização de inquérito nos parlamentos de cada Estado-membro. Os seus pares não gostaram do incidente na Assembleia.





Correio da Manhã


– Portugal não divulgou as listas de passageiros. Há falta de cooperação?


Carlos Coelho


– O Governo português evoca questões legais que tenho de respeitar. Mas não posso deixar de apontar outros exemplos que também tinham constragimentos legais e conseguiram encontrar, respeitando a lei, formas de cooperar com a comissão.


– Que exemplos?– A Roménia é um caso muito parecido com o português. Havia uma lista de passageiros que o governo romeno nos forneceu com a classificação confidencial. E o governo alemão forneceu um documento produzido pelos seus serviços secretos com a indicação expressa de que só poderia ser do meu conhecimento e do relator.


– Na Assembleia houve um incidente protocolar.


– Houve um incidente que já está esclarecido. Falei com os líderes dos grupos parlamentares, falei com o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais...


– E com o presidente do Parlamento?


– Não pedi para falar com o presidente Jaime Gama. Relaciono-me ao meu nível. Sou presidente de uma comissão do Parlamento Europeu, relaciono-me com os presidentes das comissões. Tudo o que são problemas de sala e outras questões, ficam para a História. Marcam algumas atitudes, mas não são determinantes para os trabalhos.


– Um deputado do seu partido, Henrique de Freitas, criticou a sua comissão. Como reage?


– O dr. Henrique de Freitas tem toda a legitimidade de ter as suas opiniões. Mas esta comissão não resulta de um voto do grupo parlamentar português. Resulta de um mandato do Parlamento Europeu. Na minha própria família política [Partido Popular Europeu], em Bruxelas, manifestaram-me alguma reserva.


Diziam: Carlos Coelho, você vai presidir uma comissão muito delicada. Os EUA não fizeram nada disso. É uma invenção da esquerda e você corre o risco de ser um instrumento da esquerda.


– E sente esse risco?


– Não. O presidente dos EUA veio reconhecer a existência do programa [‘Warrantless’]. Todos aqueles que me tinham avisado que estava a cair num engodo tiveram de me pedir desculpa. Estávamos perante actividades proibidas pelo Direito Internacional.


– Portugal tinha conhecimento dos voos ilegais?


–Não conseguimos em relação a Portugal e a outros países, provas suficientes que indiquem o grau de culpabilidade, mas também não conseguimos indícios suficientes que permitam esclarecer as dúvidas, insentando-os de responsabilidades.


– É útil ouvir Durão Barroso?


– O objectivo desta investigação não é fazer política doméstica. Não é chamar as pessoas com maior destaque para ganhar visibilidade. O ministro dos Negócios Estrangeiros foi o [nosso] único interlocutor.


– Mas fez o convite a Paulo Portas e Figueiredo Lopes?


– Foi a única excepção. Foi uma proposta da deputada Ana Gomes. Opus-me a isso, mas verifiquei que a maioria era a favor e portanto como presidente assinei uma carta que, na minha opinião, traduzia um desrespeito por uma decisão anterior que tínhamos tomado. Naturalmente que gostaria de ter ido almoçar com o dr. Paulo Portas e o dr. Figueiredo Lopes, mas compreendo as recusas.


– A imagem de Portugal sai prejudicada se as dúvidas ficarem por esclarecer?


– Acho que será mau para Portugal como para qualquer país. Qualquer zona de sombra, com o nível de suspeitas que existe, é negativa para o País. Não sei como é que os meus colegas lêem aquilo que se passou em Portugal nem o valor que atribuem a incidentes, que eu desvalorizo, mas que alguns [dos meus colegas] consideraram de mau tom...


– Está-se a referir?...


– Refiro-me à Assembleia... A minha opinião sincera é de que na fotografia, à data de hoje, há suspeitas não confirmadas. Há suspeitas da passagem de aviões por Portugal, e suspeita-se de que são aviões que estiveram envolvidos no programa ‘Warrantless Surveillance’ e têm destinos que dificilmente são considerados turísticos.


– Vai obter a lista de passageiros em Portugal?


– Pelo que percebi da audição que tivemos com o director de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras [SEF] a previsão da conclusão da identificação das pessoas que possam ter estado nesses voos aponta para um momento posterior à conclusão do nosso relatório.


– O Governo não está empenhado em esclarecer o caso?


– Não posso dizer isso. Critiquei publicamente o Governo português, na primeira fase, porque houve um conjunto de peripécias que permitiram fazer uma avaliação negativa da actuação do Executivo. O sr. ministro dos Negócios Estrangeiros teve oportunidade de aludir a alguns desses factos dando explicações e achando que eles foram mal acolhidos. E admito que tenham sido. Creio que há uma atitude séria de investigação.


– O empenhamento foi tardio?


– Acho que houve uma altura em que o Governo alterou o relacionamento com a minha comissão.


– Se surgirem dados novos, no Governo de Durão Barroso, isso não o colocaria em maus lençóis?


– Acho que colocaria toda a gente em maus lençóis. Em relação a Durão Barroso, só se tivesse havido um envolvimento dele.


– Não acredita nisso?


– Acho altamente improvável, para ser sincero. Tenho do dr. Durão Barroso uma imagem que não me permite supor que ele tivesse qualquer tipo de responsabilidade directa numa coisa destas.


– Houve tortura na Europa?


– Não temos condições para provar isso. Temos condições para provar que houve pessoas que saíram da Europa e foram torturadas em países terceiros.


– O PCP quer uma comissão de inquérito. Concorda?


– Uma comissão de inquérito num parlamento nacional tem poderes que eu não tenho. Tem o poder de convocar testemunhas, tem o poder de receber documentos que estão classificados, tem os poderes de investigação próprios de uma entidade judicial. Sobre esse ponto de vista, havendo matéria para investigar, há uma vantagem acrescida nas comissões parlamentares de inquérito.


– Gostaria que o seu partido fizesse o mesmo?


– Faço a minha intervenção política no plano em que estou. Tomo as iniciativas que considero razoáveis no plano do Parlamento Europeu.


– Pacheco Pereira defendeu que o tipo de comissões a que preside representam um nicho de causas residuais.


– Não vi essas declarações. CRÍTICOS FAZEM JOGO DO PSCM


– Marques Mendes faz uma oposição acutilante?


C.C. – Tenho o maior respeito pelo dr. Marques Mendes. É um político muito qualificado, homem inteligente e com muita experiência e que tem uma maratona para ganhar, não tem uma corrida de cem metros. A missão do dr. Marques Mendes é difícil porque é a primeira vez que o PSD está na oposição com um Governo de maioria absoluta do PS.


– Quer que ele seja o candidato do PSD a primeiro-ministro em 2009?


– Acho que deve ser ele. Admito que num partido democrático existam pessoas que não gostem do estilo do dr. Marques Mendes e gostariam que ele fizesse as coisas de outra maneira. O que não faz sentido é estar permanentemente na opinião pública a atacar o dr. Marques Mendes. O líder do PSD está com duas frentes de combate: por um lado a combater o Governo e, por outro, a sofrer ataques de companheiros seus.


– São irresponsáveis?


– São responsáveis objectivamente por fazer o jogo do PS. Vozes do PSD que sistematicamente atacam o líder do PSD são aliados objectivos do PS. Não há volta a dar.


– Luís Filipe Menezes é o principal protagonista desse jogo?


– Das pessoas que vejo sempre a criticar Marques Mendes, o dr. Luís Filipe Menezes está na primeira fila.




PERFIL


Carlos Coelho nasceu há 46 anos em Lisboa.


Em 1980 tornou--se o deputado mais novo da Europa: com 19 anos substituiu Natália Correia no Parlamento.


Eleito por Lisboa nas III, IV e IV legislaturas, concorreu por Santarém nas VI e VII legislaturas, sendo eleito.


Chegou a vice-presidente do grupo parlamentar do PSD.


Em 1994 entra no Parlamento Europeu, assumindo a vice-presidência da Comissão de Política Regional. Passou pelo Governo de Cavaco Silva, no Ministério da Educação, regressando em 1998 ao Parlamento Europeu. Presidiu à Comissão Especial sobre o Echelon.
Ana Patrícia Dias / Cristina Rita


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