terça-feira, 18 de setembro de 2007

Pagar para entrar em Lisboa?


Embora este conceito faça alguma confusão à maior parte das pessoas, pode começar a fazer sentido para as Câmaras Municipais e Governo Central. Em várias partes do mundo, a ideia toma forma e chega até a materializar-se.
O senso comum é suficiente para perceber que algo tem de ser feito. Cada vez há mais carros a entrar, cada vez mais devagar, numa cidade, com cada vez menos lugares de estacionamento. Todos os anos se ouve dizer que o trânsito "está impossível" e, no entanto, não chegamos a considerar os transportes públicos como uma alternativa viável, quanto mais a adoptá-los como meio de transporte preferencial. Na realidade, esses não chegam a ser uma alternativa, porque funcionam mal, têm poucas interfaces e, se de superfície, estão sujeitos aos mesmos problemas que os carros, se não mais até.
Cidades como Londres - o caso mais conhecido - e Estocolmo – o mais recente – levam-nos a pensar que: se cidades mais bem preparadas e mais evoluídas em termos de meios de transporte já estão a adoptar esta medida, do que é que Lisboa está à espera? E que medidas seriam necessárias?
A primeira medida seria aliar a resolução do problema do trânsito a um outro problema bem real, o da poluição e da qualidade de vida na cidade. Cobrar a entrada em determinados pontos da capital, criando uma zona de pagamento, permitiria criar uma estrutura pedagógica de motivação ao abandono do carro.
Se bem aplicada, esta medida teria três efeitos imediatos: - redução do número de veículos; - incremento da qualidade do ar; - incremento do número de lugares de estacionamento nas zonas afectadas.
Teria também um outro efeito, muito desejado, o de permitir que os operadores de transportes públicos pudessem ter um negócio que fosse mais realista em termos operacionais e financeiros.
Este modelo tem, no entanto, três problemas de fundo que é importante endereçar.
O mais óbvio é o problema da cobrança. Como é que se consegue que as pessoas paguem? Quanto é que essa cobrança vai custar? E quem é que vai custear essa cobrança?
A cobrança deverá ser custeada pela entidade que implementar o sistema. É um custo necessário. Este é o ponto mais importante neste sistema e, sem isso, não vale mesmo a pena fazer nada. A realidade portuguesa está cheia de exemplos em que não há força necessária para fazer aplicar a lei, sem isenções e sem excepções. Não se pode passar a mensagem de que são os que pagam que suportam o custo da cobrança dos que não pagam. Quem tem de suportar esse custo acrescido são os que não pagam, em coimas aplicadas aos casos de evasão. Esta é uma fatia substancial do custo de operação, se observarmos o modelo inglês.
O segundo problema é como impedir que as pessoas entrem nas zonas de exclusão? A maior parte das cidades que têm sistemas destes tomaram a opção de não impedir essa entrada. Em Londres, por exemplo, todo o sistema está baseado em câmaras e em software de identificação de caracteres que reconhecem as matrículas. Essa informação é cruzada com a base de dados da equivalente DGV inglesa e o condutor do veículo tem o próprio dia e o dia seguinte para pagar. Se não pagar, é intimado a pagar 100 libras, em vez das 8 libras que pagaria para entrar.
O terceiro problema prende-se com o quanto cobrar, para quê e porquê? Operar um sistema destes tem custos operacionais importantes. Para dar uma ideia, os números da Transport of London mostram que para operar o sistema em Londres, mais a capacidade de cobrar as infracções custa 90 milhões de Libras por ano (grosso modo, 150 milhões de Euros).
A pergunta impõe-se: que vantagem é que poderá trazer um sistema que implica, só em custos de operação, cerca de 150 milhões de Euros? A vantagem é evidente, quando pensamos que a câmara de Londres encaixou com o projecto 112 milhões de Libras (cerca de 190 milhões de Euros).
Com essa verba, além de introduzir melhoramentos no sistema, a cidade investiu em mais (e melhores) transportes públicos, o trânsito e a poluição reduziram e a qualidade de vida na cidade melhorou significativamente. Após sérias resistências inicialmente, o sistema é agora mais apoiado do que rejeitado, segundo estatísticas efectuadas com bastante frequência pela operadora.
Em Portugal, seria uma boa forma de investimento para os operadores de auto-estradas ou de parques, uma boa forma de financiamento das câmaras municipais e um bom princípio para a melhoria da qualidade de vida nas cidades e dos portugueses.

Rui Cruz

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