terça-feira, 18 de setembro de 2007

FARO: Médicos falam da sua experiência


“Há trinta anos que lido com pessoas que têm de enfrentar a questão do aborto. É um problema que não é de agora e tem um peso real na saúde das mulheres”.

Leal Paiva, médico e ex- Director do Serviço de Ginecologia/ Obstetrícia do hospital distrital de Faro, intervinha no debate promovido ontem pelo Movimento Médicos pela Escolha, que defende o SIM no referendo sobre o aborto, argumentando ainda que nos outros países onde a lei existe “não aumentou o número de abortos”.

Organizado em parceria com as associação Civis e a delegação do Algarve da Associação do Planeamento Familiar (APF), na Escola Superior de Saúde de Faro, a sessão ficou marcada pela intervenção dos apoiantes do Não, um dos quais defendeu que “nem sequer uma mulher vítima de violação tem o direito a abortar”.

Contrastando com a posição agressiva dos opositores, os organizadores do debate prestaram essencialmente testemunho nas suas áreas profissionais.

João Vidal, jurista e dirigente da Civis, esclareceu a propósito que no referendo de 11 de Fevereiro “está unicamente em causa a despenalização criminal das mulheres que interrompem a gravidez até ao prazo estabelecido”. O jurista alertou que só numa segunda fase terão de ser definidas as condições em que as intervenções serão feitas”.

Rui Lourenço, médico de medicina geral e familiar e presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve, reiterou por sua vez que “o trabalho (dos médicos) é dar confiança às pessoas e ajudá-las a concretizar projectos de vida”.

Mas “apesar das ajudas, por vezes as coisas falham e não podemos meter na cadeia as pessoas, quando algo falha. Não podemos condená-las à doença e à prisão”. Os médicos “não podem empurrar as mulheres para situações de risco de vida” sublinhou.

Para aquele clínico “é preciso haver memória histórica” relembrando que os médicos e os técnicos “estão empenhados em sistemas de prevenção para a saúde reprodutiva, trabalhando na assistência à família, mas aqueles que hoje são contra a despenalização (da IGV) há vinte anos eram contra os meios contraceptivos”.

Ouvir os portugueses é essencial à democracia

Uma das críticas avançadas pelos apoiantes do Não referia-se ao “dinheiro gasto na realização do referendo” o que Rui Lourenço contestou, defendendo ser “todo o dinheiro gasto a ouvir a opinião das pessoas é muito bem gasto”.

Na sua intervenção Joana Sousa da APF Algarve citou estudos reveladores de “em cada 100 mulheres portuguesas há 20 que já fizeram um aborto”, acrescentando que estas acções ilegais pesam sobretudo nas mulheres menos desfavorecidas.

O serviço nacional de saúde, em sua opinião, já paga os custos desta situação de clandestinidade, lembrando também “não estar em causa no referendo se os hospitais estão preparados e se custa muito ou pouco prestar assistência às cidadãs que querem interromper a gravidez até às 10 semanas”.

Da assistência, embora pouco numerosa, mas maioritariamente composta por jovens, surgiram sobretudo reacções sobre “a hipocrisia” do debate que se tem travado neste período de pré-campanha.

“Será que aqueles que se opõem à despenalização e dizem defender a vida, estão dispostos a condenar um empresário como criminoso se uma sua empregada aborta espontaneamente por horários excessivos e más condições de trabalho?, questionava com ironia um dos estudantes presentes.

Entretanto, o Movimento Médicos pela Escolha realiza um encontro nacional amanhã, agendado para o Auditório da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade do Porto.

Segundo a organização, o objectivo deste movimento cívico que congrega profissionais de saúde é lutar pelo direito à escolha, mas reconhecendo que a única escolha verdadeira é a escolha informada, pelo que o movimento quer dar às mulheres "todas as ferramentas possíveis para estas viverem a sua vida".

Conceição Branco

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