terça-feira, 18 de setembro de 2007

As escutas do Apito Dourado mostram que algo vai mal


Para falar de Televisão e da Rádio é obrigatório falar do seu nome: Artur Agostinho. Homem de laringe vincada e timbre inconfundível, nasceu no Dia de Natal há 87 anos, mas a energia do jornalista, radialista e actor faz dor de cotovelo a muitos jovens.



Contracenou com a nata artística – Vasco Santana, Laura Alves, António Silva e Amália Rodrigues. Escreveu livros. Artigos. Relatou jogos de futebol. Foi preso pelo COPCOM. Viveu em Copacabana. Apresentou concursos televisivos. Está no ecrã da TVI na novela ‘Tu e Eu’. Dono de sangue esverdeado em honra do Sporting, Artur Agostinho só quis abrir o seu coração e as memórias na Pastelaria Luanda. A sua casa é a sua privacidade- De que maneira o jornalismo entrou na sua vida?- Por brincadeira. Eu frequentava um clube no meu bairro, Campolide Atlético Clube, onde todas as semanas havia festas. Como não havia dinheiro para contratar uma orquestra, era eu que punha os discos e fazia a animação. Numa dessas festarolas estava lá um locutor que me desafiou para fazer rádio. Depois, passei por outras rádios amadoras, até chegar ao Rádio Clube Português. - Conseguia driblar o antigo regime no microfone? - Era preciso ter uma grande força criativa. É claro que havia metas e princípios que eram impossíveis de não serem respeitados. Eu não podia expressar qualquer opinião que fosse contrária à ideologia. Se o fizesse, estava tramado!- Alguma vez escreveu ou emitiu uma notícia que sabia que era falsa ?- Na Emissora Nacional não era eu que redigia as notícias. Li notícias menos ou mais agradáveis, mas revoltantes e que não correspondessem à verdade nunca. Às vezes lia coisas politicamente empoladas a favor do Estado Novo, como por exemplo: “Uma multidão entusiástica “. Eu sabia que a multidão não era entusiástica! - Há quem diga que era um informador da PIDESe tivesse sido, como é que foram meus convidados nos meus programas José Viana, José Freitas Branco, Maria João Pires?! Como é que eu trouxe a Portugal o Chico Buarque e o Jacques Brell? Eu estou tão ligado ao antigo regime, como tanta gente que trabalhava comigo: Carlos Cruz, Fialho Gouveia, Vitorino Nemésio, João Freitas Branco que mais tarde foi secretário de Estado do Governo de Vasco Gonçalves. - Cinco meses após o 25 de Abril de 1974 foi preso. Porquê?- Não sei. O COPCOM prendeu-me no dia 21 de Setembro. A 5.ª Divisão foi buscar-me a casa de madrugada. Estive preso durante três meses, dos quais dois, não pude sair da cela. - A razão pela qual foi, em 1975, para o Brasil, cinge-se a não ter arranjado trabalho? - Sim. Depois de várias peripécias, fui objectivamente obrigado a ir para o Rio de Janeiro onde fiquei até 1981. - Em 1977 publica o livro ‘Português Sem Portugal’ e em um dos relatos dessas peripécias refere-se ao facto de não ter encontrado nenhum advogado que o defendesse, nem mesmo aquele, que, anos antes, o tinha feito: dr. Jorge Sampaio. - Quem o procurou foi a minha mulher. Não sei a razão pela qual não me quis defender. Mas está tudo esclarecido com o dr. Jorge Sampaio. Publicamente, numa entrevista, ele já me pediu desculpas. E o assunto ficou arrumado. Acho que foi uma atitude muito digna da parte dele. - Regressa a Portugal por alguma razão?- Ou vinha naquela altura ou não vinha mais. E eu gosto da minha terra. Mas vim com a garantia de trabalho: A Maria Elisa convidara-me para apresentar um concurso na RTP ‘Noves Fora Nada’ e a Rádio Renascença também me tinha ofertado trabalho. - Trabalho nunca mais lhe faltou. Ainda agora participa na novela ‘Tu e Eu’, onde interpreta uma personagem que sofre de Alzheimer. Foi difícil? - Bastante. Sobretudo porque as cenas, que eram curtas, tinham dois registos: quando a personagem estava normal e quando, de repente, já não. Tive de fazer uma pesquisa para perceber as reacções que pode ter um doente daquele tipo. E tive de ter o cuidado para não ultrapassar determinados limites. - De 1947, ano em que fez o papel de motorista no filme ‘O Leão da Estrela’, até 2007, o que mudou na arte de representar? - As mudanças foram mais em termos técnicos. Dantes, os actores trabalhavam de outra forma e deparavam-se com dificuldades que hoje são impensáveis. Nesses tempos, o som representava um enorme problema. “Tens de falar mais alto” era usual ouvir. Tal acontecia no teatro. Mas, quanto à forma de representar, nada mudou. António Silva e Vasco Santana ensinaram-me o princípio básico. Só há duas maneiras de representar: bem ou mal. - É um homem multifacetado. Rádio. Jornais. Televisão. E a Publicidade, que é uma faceta que poucos conhecem. - Gosto muito de criar frases publicitárias. É algo aliciante. Obriga-nos a um exercício mental permanente. Fiz algumas campanhas boas. Desde que a Toyota foi introduzida em Portugal, até ao ano 2000, ano em que deixei a minha empresa, fui eu que a fiz. E também algumas campanhas com a Câmara Municipal de Lisboa estiveram a cargo da minha empresa. - Nas últimas eleições camarárias deu a cara pelo prof. Carmona Rodrigues. O que o levou a isso? - Eu não sou filiado em partido nenhum, embora não tenha nada contra os partidos. Mas sou avesso à disciplina partidária. Detesto a obrigação de votar aqui e ali. - A arquitecta Helena Roseta também concorreu como Independente.... tal como o prof. Carmona Rodrigues. - O prof. Carmona foi a minha escolha. Conheço-o desde miúdo. Considero-o um homem muito sério, alguém que foi politicamente um ingénuo.- Sportinguista desde sempre?- Antes de nascer já era! Até acho que tenho o sangue verde. Mas foi por espírito de contradição; o meu irmão era benfiquista. - Quando fazia relatos e o golo era marcado pelo Benfica, o sangue verde ficava irritado? - O meu emblema de sportinguista sempre ficou do lado de fora da cabina. E além do mais, um golo é um golo, não importa qual seja o clube que o marca. É óbvio que a emoção depende da jogada. - Assumiu o cargo de director do jornal ‘Sporting’ numa altura conturbada. Escolheram-no por ser uma figura conciliadora?- Só eles é que podem dizer. Naquela altura passou-se qualquer problema no jornal, mas eu nem quis e nem quero saber. Quando entrei disse logo que assumia o cargo provisoriamente - Como está o desporto? Um pouco danoso, como se verificou no caso do ‘Apito Dourado’. Ao ler as conversas das escutas telefónicas que foram transcritas para a imprensa, percebe-se que algo vai mal neste Reino da Dinamarca! - De que maneira surge o livro de Adelino Amaro ‘Artur Agostinho: 50 perguntas’? O jornalista resolveu fazer uma colecção chamada 50 perguntas e escolheu--me para ser o primeiro. Parte da receita da venda do livro ‘Artur Agostinho: 50 perguntas’ reverte para a A Nossa Âncora – uma instituição que apoia pais em luto, presidida pela minha filha. Sobre as 50 perguntas, palavra que não me lembro de nenhuma.- Há alguma pergunta que ninguém lhe tenha feito?- Sei lá! Já me fizeram tantas. Muitas. - Existe algum motivo para não querer ser entrevistado em sua casa?- É minha privacidade. A minha intimidade. Não gosto que isso apareça escarrapachado nos jornais. A primeira vez que abri as portas foi quando estive doente. Entrar em minha casa é entrar na parte mais íntima da minha vida. - Raramente, ou quase nunca, aparece em público com a sua família. Porquê? - Não somos muito de aparecer no jet 7, 8 e 9! Eu não gosto mesmo nada de multidões. Só gosto de enfrentar a multidão quando estou a fazer um espectáculo. - Mas vai ao estádio José de Alvalade assistir aos jogos? - Sim, mas fico sentado num lugar discreto. Tenho o meu lugar cativo. Às vezes vou para a tribuna. Gosto tanto de aglomerações que quando vou ao cinema fico sempre na coxia para sair antes de acabar o filme!PORTUGAL-BRASIL-PORTUGALArtur agostinho diz que aprendeu a representar com dois grandes professores: António Silva e Vasco Santana. A receita é simples, “só há duas maneiras de representar: bem ou mal”. O radialista e actor saiu de Portugal para o Rio de Janeiro depois do 25 de Abril e dos três meses de prisão. No regresso, em 1981, vale-lhe Maria Elisa, ‘velha’ companheira da televisão que lhe oferece a apresentação do concurso televisivo ‘Noves Fora Nada’ e a Rádio Renascença que o recupera para os seus microfones. É o renascer de uma figura marcante da comunicação portuguesa.PERFILNome: Artur Fernandes AgostinhoData e local de nascimento: 25 de Dezembro de 1920 Irmãos: Quatro, fruto do primeiro casamento paterno Estado civil: casado há 57 anos Filhos: Duas. Emília Maria, presidente da Associação Nova Âncora, e Ana, médica. Clube: Sporting (sofre pelos leões, diz até que o seu sangue é verde, mas sempre escondeu as preferências clubísticas quando fazia relatos dos encontros aos microfones da rádio. Afinal, diz, “um golo é um golo”).
Miriam Assor

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