terça-feira, 18 de setembro de 2007

A QUEDA DA PONTE NO IN-19 E O SUB-DESENVOLVIMENTO


Há que evitar, por exemplo, que engenheiros recém-licenciados caiam na patetice de receber para assinar projectos que não fizeram, julgando-se espertalhaços mas sendo tontos que caíram na trapaça de ardilosos construtores.
Aqueda do viaduto, no domingo passado, no IC-19, um dos principais acessos suburbanos de Lisboa, revela incúria e incompetência, provoca espanto e insegurança, traz à memória casos como o da queda da ponte de Entre-os-Rios ou o do colapso do túnel do metro de Lisboa no Terreiro do Paço. Mas é a irresponsabilidade que mais choca.
No caso concreto, a responsabilidade foi inicialmente atribuída ao projectista. Depois, estenderam-se culpas à inspecção, ou à falta dela. Em abstracto, a irresponsabilidade alarga-se a outras profissões encartadas. E quando as pontes caem, degenera-se invariavelmente nessa insustentável desresponsabilização. Se há catástrofe, cortam-se cabeças a políticos.
Se por fortuna os danos são sobretudo materiais, a agitação termina depois de pouca rezinga. A culpa escassas vezes é assacada ao projectista amador, ao engenheiro negligente que assinou o projecto ou ao fiscal que trocou a missão inspectora por uma alternativa fácil. Ou não há culpados identificáveis ou os processos encalham nos tribunais.
É esse sentimento de impunidade que facilita a incúria. Porque neste caso, ao contrário de outros, a responsabilização não é política mas técnica e o objectivo não é aliviar a frustração sacrificando um peão notório mas dissuadir futuros comportamentos desleixados. Evitar, por exemplo, que engenheiros civis recém-licenciados caiam na patetice de receber umas centenas de euros por mês para assinar projectos que não fizeram ou sequer conhecem, julgando-se espertalhaços mas sendo tontos que caíram na trapaça de ardilosos construtores.
Foi com base na construção que muito do crescimento da nossa economia aconteceu nos últimos anos. Por crescimento económico entenda-se variação positiva do PIB, que cá foi estimulada por obras públicas e pela construção e transacção de imóveis (estimulada pelas baixas taxas de juro), gerando um fenómeno que, contabilisticamente, ajudou Portugal a ficar bem no retrato durante alguns anos mas, por não estar assente em factores mais duradouros (como as exportações ou o investimento produtivo), não perdurou (o mesmo fenómeno está a acontecer em Espanha, invejada por ser a que mais cresce na Europa mas com base nos mesmos pilares frágeis: construção e imobiliário).
Mas crescimento económico é diferente de desenvolvimento económico. E se é matematicamente acertado dizer que a economia portuguesa cresceu, é menos evidente que ela se tenha desenvolvido. É isso que um relatório da União Europeia divulgado há dois dias revela: Portugal é o país da União Europeia com maior disparidade entre ricos e pobres. Ou seja, “the rich get richer and the poor get babies”, citando um aforismo que tipicamente caracteriza os países sub-desenvolvidos. Segundo o mesmo relatório, Portugal é também o “lanterna vermelha” na percentagem de população que vive abaixo do limiar de pobreza: 21% dos portugueses são pobres, ou seja, têm um rendimento inferior a 3.168 euros por ano (equivalentes a 60% do rendimento médio nacional). E temos também a mais elevada taxa de risco de pobreza.
É um país de contrastes cada vez maiores. Por um lado, muitos pobres e mal pagos, iliteracia e o maior número de jovens a abandonar os estudos cedo: 45% (dado que contraria o argumento de que o rejuvenescimento está a apagar uma geração com poucas habilitações). Por outro lado, uma classe média nova-rica e endividada que faz de Portugal dos países com parque automóvel mais moderno e com mais telemóveis de grito.
Há obras com falhas de engenharia, inspecção negligente e corruptível; um em cada cinco de nós vive na miséria, quase metade dos jovens abandona os estudos cedo. Falta responsabilidade e responsabilização. “Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui même”.
"Pedro Santos Guerreiro"

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