segunda-feira, 17 de setembro de 2007

AS MEMORIAS DE SALAZAR


O Museu de Salazar, criado pela Câmara de Santa Comba Dão com a colaboração do sobrinho-neto do ditador, Rui Salazar de Lucena, está a dividir opiniões. Enquanto uns justificam a preservação da memória de uma figura central da História do século XX, outros dizem tratar-se do “branqueamento de um período negro”.



Está assente em tijolos o velho Chevrolet Stylemaster preto que transportava António Oliveira Salazar, nas curtas deslocações pelas Beiras, entre a aldeia do Vimieiro, Santa Comba Dão, e o Caramulo ou Viseu. O automóvel é considerado uma relíquia, mas permanece ao abandono. Tal como a casa, a adega, a escola ou o jardim que serviram de refúgio ao estadista que mandou em Portugal durante quatro décadas. Dos edifícios, em ruínas, só se salvou algum do seu espólio pessoal, que agora se pretende reabilitar e expor ao público num Centro de Estudos e Museu do Estado Novo.Com um investimento de cinco milhões de euros, a Câmara Municipal de Santa Comba Dão garante que recupera o espaço, transformando-o num centro de estudos históricos e num importante pólo de atracção turística para a região. “Não queremos criar um local de culto à figura do Salazar. Mas temos que lutar pelo desenvolvimento do concelho. E uma das formas de o fazer é aproveitar o facto de Oliveira Salazar ter nascido cá”, esclarece Miguel Cunha, chefe de gabinete do presidente da autarquia.O homem que liderou uma das mais longas ditaduras do Mundo, nasceu a 28 de Abril de 1889. Tomou posse como ministro das Finanças em 1928 e assumiu a presidência do Conselho de Ministros em 1932. Governou o País com mão--de-ferro durante 42 anos, mas nunca se afastou por muito tempo da casa onde cresceu. Os fins-de-semana e as férias eram passados na tranquilidade da quinta que foi acrescentando com parcelas de terreno compradas ao longo dos anos – hoje cortada a meio pelo IP3.Quando se levantava, manhã cedo, abria a janela e fixava os olhos na famosa cameleira oferecida pela jornalista Christine Garnier. A francesa escreveu o livro ‘Férias com Salazar’, publicado em 1952, na sequência de uma entrevista que, para alguns biógrafos, se transformou num idílio, com a loura e sofisticada visitante a dar a volta à cabeça do ditador sexagenário.Depois, Salazar pegava numa pequena cana-da-Índia e partia sozinho em longas caminhadas pelo campo, ao longo da linha férrea da Beira Alta. Os momentos de reflexão eram passados à sombra de um carvalho centenário, que dizia ser “a árvore sagrada dos Druidas”.Rui Salazar de Lucena e Mello, de 58 anos, sobrinho-neto do político, lembra-se bem da definição. E recorda com saudade os momentos passados nos jardins, hoje transfigurados pela erva daninha. Por admirar a capacidade intelectual e a generosidade do antigo presidente do Conselho de Ministros, doou milhares de peças pertencentes a Oliveira Salazar e um terço dos bens imóveis que herdou, quando soube da intenção da Câmara Municipal em criar o Museu. Além do velho Chevrolet, com 74 103 quilómetros, seguiram no espólio centenas de livros, manuscritos, documentos, condecorações, garrafas de vinho com a sua chancela (Quinta das Ladeiras), a mala de viagem, o estojo de barbear, a cama onde morreu – no palacete de S. Bento, em Lisboa, a residência oficial do chefe do Governo, a 27 de Julho de 1970 – e alguns dos crucifixos que o ditador foi coleccionando ao longo da vida. A trilogia que proclamou – Deus, Pátria e Família – está bem representada na casa do Vimieiro.Segundo Miguel Cunha, as obras de construção do futuro Centro de Estudos começarão daqui a dois anos, na melhor das hipóteses. Mas antes, é preciso garantir a posse dos restantes dois terços dos bens imóveis, através de um processo de expropriação iniciado há dois meses. Se o projecto avançar, a autarquia de Santa Comba Dão espera dar um passo em frente no desenvolvimento do município e cumprir um desejo, expresso numa sondagem por “mais de 90 por cento da população”. UM MUSEU POLÉMICO AINDA ANTES DE ABRIRA manifestação marcada para hoje em Santa Comba Dão por um grupo de antifascistas que se opõe à criação do Museu de Salazar está a preocupar a GNR que teme incidentes com neonazis mobilizados através da internet.As forças de segurança estão atentas aos movimentos destes grupos e dizem-se preparadas para actuar, caso se verifiquem ocorrências à margem da Lei.A manifestação é promovida pela União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), que pretende recolher assinaturas para pedir à Assembleia da República que impeça a criação do Museu. Segundo António Vilarigues, da URAP, “o que está em cima da mesa é evitar que o Vimieiro se transforme num local de adoração não só de um homem mas de uma ideologia que ainda hoje está viva na Europa”. Um núcleo museológico no Vimieiro “não será mais que um local de peregrinação e revisitação de um período tenebroso que Portugal viveu”, disse à Lusa o filho de Sérgio Vilarigues, um dirigente comunista que passou seis anos em prisões do Estado Novo.Miguel Cunha, chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, afiança que a ideia não é criar um santuário de Salazar e manifesta-se confiante na sensatez dos manifestantes. “As pessoas são livres de se manifestar, mas têm que ter em consideração a vontade da população”, afirma. E a vontade do povo é clara. “É justo homenageá-lo, pois no tempo dele não havia tanta droga nem tanto roubo”, sintetiza Afonso Paiva, um agricultor de 58 anos. QUEM QUER SER O DITADOR NO D. MARIA IIO Teatro Nacional de D. Maria II, em Lisboa, procura um actor, com mais de 40 anos, que queira fazer o papel de Salazar na peça ‘Longas Férias Com Oliveira Salazar’. No anúncio ontem colocado na Imprensa, o Teatro adianta que o período de trabalho do actor é entre 12 de Março e 6 de Junho. A peça que pretende desmistificar a figura do ditador é uma comédia burlesca escrita pelo dramaturgo espanhol Manuel Martinez Mediero e foi representada em Idanha-a-Nova em 1997. Co-produzida pelo Teatro D. Maria II e pelo Teatro das Beiras, esta versão estreia-se em Abril e entre as personagens contam-se D. Maria (a inseparável governanta de Salazar), o cardeal Cerejeira, Carmona e Francisco Franco (chefe de Estado espanhol), Humberto Delgado, e diversos responsáveis da PIDE como Barbieri Cardoso e Silva Pais. “Uma grande dose de humor, perverso e destruidor, com uma seriedade e uma exactidão histórica raramente vistas numa comédia; e sempre no tom de exorcismo pelo riso”, escreveu o crítico Manuel João Gomes em 1997. DEPOIMENTOS"É IMPORTANTE NA TERRA E NO PAÍS"“Por que não se há-de criar um Museu Salazar em Santa Comba Dão? Ele é importante na terra e no País. São 50 anos de História de Portugal e acho muito bem a criação de um museu. Salazar não é uma personalidade infame e ninguém pode negar o seu patriotismo.” - Jaime Nogueira Pinto, Professor"VAI SER UM MUSEU MUITO VISITADO"“A avaliar pelo programa ‘Os Grandes Portugueses’ vai ser um Museu muito visitado. É de concordar com a criação de um museu sobre uma figura com o peso de Salazar. Convém que tenha o maior número de fotos e documentos sobre a vida e obra do estadista.” - João Braga, Fadista"SÓ COM APOIO DE NÚCLEO UNIVERSITÁRIO"“A Câmara só deverá criar um museu à volta da casa de Salazar com o apoio de um núcleo universitário que lhe dê garantias de objectividade e distância histórica e político-comemorativa. Não esquecer que o grande património de Salazar está nos Arquivos Nacionais.” - António Costa Pinto, Professor"MUSEU NUM PLANO DE LUTA POLÍTICA"“Pode-se fazer um bom museu: histórico, que não mitifique o ditador e não funcione como atracção dos nostálgicos do regime. Não se sabe qual a concepção do Museu – o presidente da Câmara não disse – e a inquietação levou o tema para um plano de luta política.” - Fernando Rosas, Historiador"PROMOVER VALORES NEGATIVOS, NÃO"“Não vejo por que não se há-de criar o museu, mas depende dos termos em que for feito. Se for para documentar, de forma equilibrada, um certo período da História, sim. Se for para promover os aspectos negativos que caracterizavam Salazar, não.” - Vasco Graça Moura, Escritor

- "Francisco Pedro" -

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