sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Situação dos espoliados‏

Fernando Negrão, um dos autores do despacho que visava resolver a situação dos espoliados.

Três anos depois nada foi feito

«É conhecido o preconceito do PS relativamente aos momentos históricos de Portugal que envolvam a sua Diáspora»

■ «O comportamento do Governo é doloso, na medida em que não tendo a coragem de dizer que nada vai fazer, vai dizendo que tudo está a ser tratado», afirma Negrão

Isabel Guerreiro - "O Biabo"

O que se passa com o famigerado grupo de trabalho governamental que deveria estar a funcionar há três anos e que se propunha resolver as indemnizações dos espoliados de Angola e Moçambique? O «DIABO» tentou obter uma resposta objectiva à pergunta, que continua envolta em “grande segredo”.

Depois de ter sido extinto o Gabinete de Apoio aos Espoliados que funcionou durante o Governo de Cavaco Silva, em 2005, o Governo de Santana Lopes, através do despacho 107/2005 de Fevereiro, publicado em Diário da República, assegurou que iria ser criada uma comissão constituída por membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Segurança Social (SS), e Finanças, destinada a avaliar a situação dos espoliados. Entretanto, o Governo caiu e o PS ganhou as eleições. Conforme o texto publicado em Diário da República (VER CAIXA) era criado um grupo de trabalho de
âmbito governamental para tratar da questão das indemnizações devidas aos espoliados das ex-colónias destinado a «tentar reparar, tanto quanto possível, injustiças que foram consumadas».

Segundo as associações de Espoliados de Angola e Moçambique «o executivo de Sócrates assumiu que iria dar continuidade ao despacho de 2005 mas a verdade é que passaram três anos e nada foi constituído». Para grande angústia dos espoliados, o grande problema é que muitos dos cidadãos que estiveram nas ex-colónias vão morrendo, e a maioria tem mais de 70 anos.

Além dos cerca de dois mil processos judiciais que correm na justiça portuguesa, a estimativa da quantia reclamada atinge mais de um bilião de contos (valores reportados a 1976).

O «DIABO» tentou obter um esclarecimento por parte do gabinete de Teixeira dos Santos, que permaneceu em silêncio. Optámos por falar com Fernando Negrão, um dos autores do despacho, que diz “ser uma honra muito grande ter sido um dos responsáveis pela existência do despacho em causa».

«Atraso injustificável»

“A História de um País deve merecer aos seus contemporâneos, no mínimo, respeito! Nesse sentido e buscando mais longe, ou seja, na tentativa de reparar injustiças provocadas em Portugueses que engrandeceram a história de Portugal, foi decidida a constituição do aludido grupo de trabalho. Portugal sempre se fez para alem das suas fronteiras, mercê do esforço, sacrifício e capacidade empreendedora dos Seus. Sempre os poderes instituídos saudaram e glorificaram essa atitude.
E, por isso, hoje uma obrigação de Portugal reparar a injustiça cometida com
todas aqueles que, de um momento para outro, viram consumada a destruição
sumária de vidas de árduo trabalho», recorda o actual deputado do PSD.
Negrão acrescenta: «Decorreram, já, várias décadas sobre a situação que levou à criação do Grupo de trabalho, o que significa um atraso injustificável na reparação que se pretende e que é de Justiça». O deputado reconhece que «no momento da publicação do despacho o atraso já era significativo mas avançou-se e pretendia-se, com urgência fazer o diagnóstico, propor medidas, avaliar a sua exequibilidade e executá-las». “Por isso, a urgência é agora maior que nunca, sendo inexplicável a passividade deste Governo», critica. O antigo ministro da Segurança Social lamenta:

«É conhecido o preconceito do PS relativamente aos momentos históricos de Portugal que envolvam a sua Diáspora». Fernando Negrão diz que «ainda hoje ela se revela em iniciativas que marginalizam e mancham a dignidade dos nossos emigrantes, como a de limitar o seu direito ao voto».
«Esta é uma parte, da explicação para a inactividade do Governo a outra prende-se com a preocupação exclusiva com a ''espuma do dia'', sem perceber que um País se constrói e se governa com valores profundos que vem da sua história, orientam o seu presente e ditam a dimensão do seu futuro». «Há uma explícita falta de vontade política», entende ao sublinhar que «nada justifica o prolongamento desta situação». «O comportamento do governo é doloso, na medida em que não tendo a coragem de dizer que nada vai fazer, vai dizendo que tudo está a ser tratado». «As relações bilaterais de Portugal com Angola são da maior importância, no sentido de continuar
a aprofundar a relação de dois Povos que fizeram parte de seu crescimento em comum e que mantêm laços de grande afinidade e amizade. Essas relações não sofrem hoje de mal entendidos, ou falta de oportunidade para um diálogo franco e aberto. O nosso

Governo, porém, não tem aproveitado essa oportunidade para ir para além do económico. Tenho a certeza que Angola teria a compreensão necessária para perceber o que aconteceu com muitos portugueses, se o Governo de Portugal o sensibilizasse para esse efeito O povo de Angola e de Portugal falam a mesma língua. Que privilégio para ambos!», conclui.


Ministro das Finanças e da Administração Pública,

Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas

Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança

DESPACHO CONJUNTO


Não obstante terem decorrido cerca de 30 anos sobre a independência dos ex-territórios Ultramarinos, os sucessivos Governos não conseguiram ainda dar uma resposta suficiente aos problemas e injustiças que afectam um significativo número de portugueses que se viram forçados a regressar a Portugal durante e por causa do processo de descolonização.


É certo que o Estado Português tem feito algumas tentativas conducentes à avaliação e resolução desta situação, de que se destaca a criação, em 1992, do Gabinete de Apoio aos Espoliados, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/92, de 16 de Maio.


Porém, este Gabinete, constituído para exercer funções durante 5 anos, foi extinto em 1997, o que causou um grave prejuízo aos espoliados, principalmente devido ao facto de não se ter esgotado nesse período o cumprimento da missão que lhe havia sido confiada na identificação e triagem das situações que lhe eram apresentadas.


Outrossim, no plano parlamentar, foram apresentadas na anterior Legislatura iniciativas legislativas que visavam, igualmente, dar uma resposta positiva ao mesmo tipo de preocupações, as quais não lograram, porém, obter aprovação final.


O actual Governo assumiu no seu Programa o compromisso de estudar e propor soluções para as questões pendentes relativas aos espoliados dos antigos territórios ultramarinos.


Tem-se a consciência da dificuldade e complexidade do problema, sobretudo tendo em atenção o tempo decorrido, mas o Governo não pode, em obediência a sua filosofia humanista e personalista, deixar de tomar as iniciativas que vão ao encontro do propósito de tentar reparar, tanto quanto possível, injustiças que foram consumadas.


Assim, os Ministros das Finanças e da Administração Pública, dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, da Segurança Social, da Família e da Criança, determinam o seguinte:


1. É criado, na dependência do Ministro das Finanças e da Administração Pública, um grupo de trabalho que tem por objectivo estudar e propor soluções para as questões pendentes relativas aos cidadãos portugueses residentes nos antigos territórios ultramarinos, no período compreendido entre 25 de Abril de 1974 e a data da transferência plena de soberania para os novos Governos dos Estados sucessores, cujos direitos ou interesses legítimos tenham sido directamente afectados pelos processos de descolonização.


2. O grupo de trabalho tem a seguinte composição:


a) Um representante do Ministro das Finanças e da Administração Pública, que preside;

b) Um representante do Ministro dos Negócios estrangeiros e das Comunidades

Portuguesas;

c) Um representante do Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança..


3. Compete ao grupo de trabalho:


a) Efectuar um levantamento de toda a legislação, nacional ou de Estados
terceiros, publicada depois de 25 de Abril de 1974, com relevância para este

processo;


b) Efectuar um levantamento rigoroso e devidamente comprovado das situações relativas aos cidadãos portugueses que, por causa dos processos de descolonização, se viram afectados nos seus direitos.


c) Solicitar aos interessados a informação e os elementos de prova
considerados relevantes para efeitos de apreciação das respectivas
pretensões;


d) Propor a adopção de medidas que contribuam para a resolução de situações relacionadas com o processo de descolonização que tenham sido devidamente identificadas e comprovadas;


e) Propor as medidas legislativas que considere justificadas;


f) Elaborar um relatório final que contenha, designadamente, a discriminação dos

estudos realizados e das soluções preconizadas para a resolução das situações

identificadas como resultantes do processo de descolonização.

4. O relatório a que se refere a alínea f) do número anterior deve ser apresentado aos Ministros das Finanças, dos Negócios Estrangeiros e da Segurança Social e do Trabalho até ao final do prazo previsto no número seguinte.

5. O grupo de trabalho deve apresentar aos membros do Governo referidos no número anterior a calendarização dos trabalhos a efectuar, no prazo de um mês a contar da data de entrada em vigor do presente documento.

6. O grupo de trabalho deverá solicitar, para o exercício das suas funções, o apoio colaboração

das associações de espoliados existentes em Portugal.

7. O presente despacho produz efeitos a partir da data da sua assinatura.


Lisboa, 04 de Janeiro de 2005

O Ministro das Finanças e da Administração Pública

(António José de Castro Bagão Félix)


O Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas

(Embaixador António Vitor Martins)



O Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança


(Fernando Mimoso Negrão)

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