domingo, 5 de outubro de 2008

IMPUNIDADES

Tony Blair veio fazer uma palestra a Lisboa, para a habitual platéia de decisores políticos e econômicos. Depois de dez anos a governar a Inglaterra em nome dos trabalhistas, Blair é hoje um dos homens mais bem pagos da Europa, cobrando entre 125 mil e 250 mil euros por cada uma destas conferencias, além do salário de luxo que recebe como consultor de um desses bancos americanos que agora estão no olho do furacão da crise financeira mundial. Também é enviado especial da ONU para o Médio-Oriente, mas, nessas funções, tem-se revelado bem menos empenhado e eficaz do que a fazer conferencias. Como herança interna, Blair deixou um défice monumental nas contas publicas inglesas, arruinou o mítico Serviço Nacional de Saúde (ao ponto de ser o líder dos “tories” , David Cameron, quem hoje faz o papel de defensor publico do SNS), deixou umas centenas de mortos ingleses no Iraque e o país ligado ao desfecho da aventura de Bush (para a qual Blair foi o primeiro dos apoiantes), e, para rematar em beleza, deixou toda a economia inglesa refém da tragédia de Wall Street.
Seria de esperar da sua parte talvez alguma humildade, algum embaraço, quem sabe mesmo, alguma vergonha; afinal de contas, ele foi um dos principais responsáveis pelo estado do mundo e ainda anda a facturar fortunas a falar dos ‘problemas’ que ajudou decisivamente a criar! Mas, se alguém esperava tal coisa, esperou em vão. Descontraído e sorridente, Tony Blair puxou de umas notas avulsas e deu conta das suas recentes andanças pelo mundo: esteve em Pequim, nos Jogos Olímpicos, esteve no deserto numa tenda do Kadhafi, esteve aqui e ali, derramando a sua vasta experiência sobre os ‘problemas’ para poder concluir em Lisboa que ‘os problemas são globais e precisam de soluções globais’. Mais uns quantos lugares comuns de profundidade semelhante e a repetição de que o trabalho tem de ser flexível e a Segurança Social tem de ser reestruturada. E pronto. Suponho que lhe terão batido palmas e agradecido muito a lição e o incomodo. E lá foi Tony Blair, sorridente, para o seu próximo compromisso global. É assim que se governa o mundo, nos tempos de agora.

‘Miguel Sousa Tavares’

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