quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Comunismo! Só em museus?

Budapest, uma das capitais imperiais da Europa, a cidade preferida pela imperatriz Sissi, tinha sido bem explorada. A comida húngara, picante, calórica, plena de cremes de leite, já havia sido degustada, bem como os vinhos Tonkai e até os do lago Balanton. Mas, a curiosidade sobre fatos relativos à revolução de 1956, quando houve uma grande revolta popular, ainda permanecia. Era necessário viajar até o interior para conhecer o “Memento Park”. Apesar da dificuldade da língua, a mais difícil de aprender, foi relativamente fácil efetuar as diversas baldeações até alcançar o objetivo. Tendo errado o ponto previsto de descida, tivemos que fazer um longo trajeto, a pé, por estrada rural.


Após a restauração da unidade nacional, em 1991, quase todos os monumentos representativos da era da opressão e tirania foram retirados das praças e jardins da Hungria. Demandavam outro destino. No entanto, era importante guardar a antiga memória. Surge um parque cujo objetivo é mostrar para a posteridade como era a existência numa República Popular Democrática, o que era feito em nome da liberdade para manter no poder uma camarilha de usurpadores. Os monumentos representativos da eterna amizade entre Hungria e União Soviética, os bustos dos heróis do marxismo, as estátuas gigantescas louvando Stalin, os personagens ideológicos, os movimentos populares, a imagem do soldado libertador soviético — olhos demoníacos —, a arte associada ao culto da personalidade, tudo precisava encontrar um local adequado. Surge um museu ao ar livre para preservar esses fatos do passado.

Réplica da tribuna construída para ouvir, nos feriados estatais, os discursos inflamados dos defensores do povo, quando multidões eram obrigadas a saudar e louvar seus dirigentes, foi construído bem na entrada do parque.


Para os saudosistas uma coleção de artigos, símbolos do antigo regime está disponível. CD’s de discursos, discos com canções e lemas que todos precisavam conhecer e cantar, painéis de propaganda, isqueiros, canetas, medalhas de todos os tipos. Até é possível adquirir camisetas “t-shirt” com estampa dos 3 terrores mundiais: Lênin, Stalin, Mao-Tsung, personalidades responsáveis por milhões de mortos e desaparecidos.

Ainda hoje, diversos monumentos estão sendo retirados de vários locais da Hungria e, em vez da reciclagem em fundições, estão sendo deslocados para Diosd-Erd — o local do parque. É preciso guardar lembranças. É importante não esquecer o passado para não repetir os mesmos erros no futuro.

Exposições e audiovisuais sobre o regime policialesco implantado na Hungria e demais Estados Satélites onde, em nome da liberdade, qualquer deslize era severamente punido com prisão, com tortura, ou degredo para os campos de extermínio ou de readaptação política, estão presentes. Áudio-visual mostra como era feito o treinamento e o recrutamento dos agentes secretos do partido. Mesmo usando processos e métodos agora considerados obsoletos — a fotografia era um deles —, podemos constatar a paranóia implantada entre a população, as técnicas usadas para manter o poder. O uso do medo, do terror, do controle das mentes; o cerco às liberdades e a implantação de métodos de delação. Não era possível ter amigos, o grande irmão substituía todos os valores tradicionais. O fato de ser fotografado junto a um futuro suspeito já era prova de cumplicidade. Não havia desculpas, a pena estava decretada. Evidentemente, pessoas ligadas ao poder estavam fora, pelo menos até um futuro expurgo ou outras investigações. Era vital prever movimentos contra-revolucionários, mesmo os não existentes. Duas gerações têm suas aspirações aniquiladas; pela ideologia tentava-se criar o indivíduo perfeito, o homem social ideal, sem pensamentos, apenas útil ao partido.


O treinamento e recrutamento de agentes para a polícia, hoje, em função dos novos equipamentos e métodos existentes, nos parecem ridículos. As técnicas de rastreamento, das comunicações e telefones são atualmente bem mais eficientes.

Circulando entre bustos de Lênin, Max, Engels, Dimitrov, Ustapenko, Bela Kun, entre bronzes reverenciando as brigadas populares, as forças de libertação, a Legião Espanhola, ao eterno libertador soviético e a glorificação do trabalhador, encontramos as “botas de Stalin”. Durante a revolta de 1956, da gigantesca estátua, mais de 6 metros derrubados pela fúria popular, apenas sobraram as botas. É uma réplica o que vemos na entrada do parque.

Um modelo do Trabant — carro em estrutura de plástico e ícone do regime — serve para mostrar a ineficiência e o atraso nos processos industriais do regime socialista. Levava-se anos em fila de espera aguardando, ansioso, o veículo dos sonhos. Como as fronteiras estavam lacradas, vivia-se numa prisão, não se sabia o que ocorria do outro lado das cercas e muros. Era proibido descobrir as mazelas dos regimes capitalistas.

Durante a revolta de 1956, onde a maioria dos combatentes eram jovens com menos de 24 anos, a bandeira húngara, com um buraco central, local onde estava gravado o símbolo do comunismo, foi a flâmula a estimular os que lutaram pela liberdade. O movimento popular, que ocupou no início a Rádio Governamental, foi esmagado pelos tanques das tropas do Pacto de Varsóvia. Surge a repressão do Governo Kadar, que se estende de 1958 a 1988.


As fotos expostas mostravam os patriotas caídos na luta, sendo enterrados nas praças e jardins da cidade. Até hoje, em dias de comemoração, aparecem retratos, flores e velas para relembrar os heróis que lutaram contra uma ditadura baseada em idéias aparentemente corretas e adequadas para corrigir as direções do mundo, mas, no fato falhou completamente. Era necessário esconder da população toda a verdade e o que ocorria no mundo exterior. A política utilizada pelos marxistas tinha como fulcro transformar o país numa gigantesca prisão, de onde não se podia escapar. Vivia-se numa sociedade de robôs.

O perigo ainda persiste em muitos locais do mundo, pois os arautos do passado ainda usam as mesmas palavras, apenas com camuflagem, com nova roupagem para divulgar e tecer loas a um sistema falecido e que tanta dor provocou na Hungria e em outros países ocupados. Perigoso é todo aquele que guardando raízes do antigo, divulga mentiras, como se fossem verdades. É preciso cautela, não esqueça o passado. Como diz José Ingenieros em as “Forças Morais”.

“Todo o erro sincero merece respeitosa consideração. É, porém, desprezível a hipocrisia de quem oculta os seus ideais por motivos venais, e é criminosa a mentira daquele que a ensina, conscientemente, por torpes conveniências”.

Mesmo em momentos de crises financeiras mundiais a mensagem do “Memento Park” permanece:

“Comunismo só em museus”.

Felipe Daiello

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