quarta-feira, 12 de março de 2008

O MUNDO EM PROGRESSO

No seu belo romance “Cloud Atlas” (2004), David Mitchell reconta uma parábola oriental sobre o propósito do Universo. Diz o personagem:
“Um dia o meu avô me mostrou um quadro representando um templo siamês. Não lembro o seu nome, mas dizem que desde o dia em que um discípulo de Buda fez pregações naquele local, séculos atrás, todos os chefes de bandidos, todos os tiranos e todos os monarcas daquele reino o vêm adornando com torres de mármore, arvoredos perfumados, cúpulas folheadas a ouro, murais decorativos nos tetos abobados, esmeraldas nos olhos das estatuetas. Quando o templo finalmente estiver igual à sua contrapartida na Terra da Pureza (reza a lenda) então nesse dia a humanidade terá cumprido a sua função, e o Tempo chegará ao fim”.
Para esse tipo de cosmogonia, o Universo é uma obra-em-progresso que um dia estará pronta – e deixará de existir. Os leitores de Ficção Cientifica irão recordar o conto de Arthur C. Clarke, “Os Nove Bilhões de Nomes de Deus”. Um grupo de monges do Himalaia contrata os serviços de um supercomputador (e respectiva equipe técnica) para fazer todas as combinações de letras possíveis formando todos os possíveis nomes de Deus. Dizem eles que a função da humanidade é descobrir esses nomes, e quando o fizer, seu trabalho estará encerrado. Certa noite, quando o trabalho está na reta final, faltando apenas uns minutos para ser completado, os técnicos resolvem cair fora dali, porque acham que nada vai acontecer e os monges ficarão furiosos. Quando fogem do mosteiro, um deles olha para o céu. E o conto se encerra com a frase hoje celebre:
“No alto, sem alarde, as estrelas estavam se apagando de uma em uma”.
Essas historias tão distantes entre si correspondem á nossa ânsia profunda de que o mundo faça sentido. O mundo (o Universo) é algo que foi montado, tem um desenho, tem um desígnio, tem um propósito. Estamos aqui para remontar esse quebra-cabeças cósmico. Alguém criou o Plano, estilhaçou tudo e misturou as peças. Estamos aqui para reconstituir o que foi estilhaçado e remontar o desenho primordial. Quando conseguirmos essa proeza, ironicamente, a nossa existência deixará de ter propósito, porque a grande pergunta terá sido respondida, o grande vazio terá sido preenchido.
O ser humano é doido por dar um ponto final a si mesmo. O marxismo anunciou que a historia humana se encerraria com o Comunismo. Em tempos mais recentes, um economistazinho de direita anunciou nos EUA “O Fim da Historia”, ou seja, o capitalismo atual seria o ponto final, o ponto mais alto d evolução social. Não admira que exista, do lado oposto, um exercito incansável de exploradores do desconhecido, de poetas do absurdo, de coros de descontentes, de desarrumadores das idéias, todos dizendo:
Não! Não acabou ainda! Falta muita coisa!
E, como Penélope, desmancham a ciência e a filosofia recém bordadas e começam tudo de novo, para adiar o Instante Terrível.

‘Dirceu Cardoso Gonçalves’

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