quarta-feira, 12 de março de 2008

A IRONIA DO DESTINO

“As guerrilhas não desfecham golpes contra as cidades e contra as fazendas da Colônia”

“Com nenhum aliado se encontra Portugal. Os poucos tímidos, das primeiras horas, abandonaram-no e hoje é uma serena homogeneidade com a União Soviética, para que Lisboa faça em Angola aquilo que a Rússia planejou e está exibindo pela violência armada”.

Nova Iorque, 20 de Junho – Um caso típico de ironia do destino é o que se respira, neste ambiente convulso de Portugal, desentendido com os seus aliados e melhores amigos por causa dos inimigos de Portugal e dos com que Portugal convive dentro e fora das Nações Unidas.
Não há, no seio da gente que habita em Angola, nada parecido com guerra civil. Jamais a população angolana revelou propósitos separatistas, ou seus descendentes, nenhuma delas vinha acusando sinais premonitórios de um movimento autonomista. O poeta Thomaz Ribeiro enxergaria li em pleno Abril. A colônia ganha dinheiro com a sua produção tropical, comercializada bem nos mercados consumidores da Europa e dos Estados Unidos. Dá o café tanta moeda boa que hoje ele é o maior produtor internacional da pauta lusitana.
A agitação seccionista é excêntrica. Não tem a ver com as tribos angolanas que vivem em harmonia com o homem branco da mãe pátria e também as massas urbanas vivem até agora sossegadas.
Capacitou-se deste ponto de partida, pelos mapas que os jornais daqui publicam acerca das colunas de invasão nas fronteiras angolesas criticas. O que vemos no território colonial português são raids dos quais tem a iniciativa agentes vermelhos. Estes engajam mercenários nos países limítrofes com Angola, isto é, em colônias já emancipadas e onde os soviéticos tem ascendência sobre os governos constituídos depois da libertação.
Não se trata, como se vê em Angola, de uma revolução destinada a conquistar a independência das tribos da região e dos colonos brancos e mulatos. A repressão militar do governo de Lisboa não se exerce contra os indígenas e menos contra um núcleo branco, identificado com a idéia emancipadora. E por isso as guerrilhas não desfecham golpes contra as cidades e contra as fazendas do coração da economia da colônia. Todos os ataques são irrupções fronteiriças de gente treinada, armada e municiada do outro lado pela conspiração do governo de Moscou contra o regime português.
Esta é a cara de Angola vista por dentro. Portugal, pela vigorosa reação ao imperialismo russo, desafia os novos aliados deste na África em particular e no resto do mundo em geral.
Agora vamos ver a coroa, que é a questão angolesa, encarada pelo sistema das Nações Unidas e a Inglaterra, a qual é aliada política do Estado português.
Para se imaginar o prestigio do governo de Lisboa na órbita ocidental, cumpre no esquecer que Portugal, governado por um regime autoritário, foi admirado no grêmio das Nações Unidas. Pela iniciativa de seu velho aliado inglês, fora de supor que o Dr. Salazar, empenhado em tentativas de invasão do seu território ultramarino, haveria de ter pelo menos a boa vontade do acidente anti-russo.

‘Assis Chateaubriand – artigo publicado em 28 de Junho de 1961’

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