quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

A PRETO E BRANCO

Caro amigo

Parece-me a mim que é óbvio, que não precisa de estar escrito em sítio nenhum, que há pessoas boas e más, inteligentes e burras, alegres e sorumbáticas, avarentas e mãos largas, pacíficas e conflituosas, no mundo inteiro. Tenho a sorte de já ter conhecido gente fantástica de muitas religiões, de muitos tons de pele. Indonésios, jordanos, haitianos, malaios, timorenses, argentinos, chilenos e peruanos, australianos, quenianos, marroquinos, sul-coreanos, guineenses, moçambicanos, tailandeses, chineses, sul-africanos, costa-riquenhos, angolanos, russos e, naturalmente, cabo-verdianos. Não me fixei no tom da cor das suas peles mas tenho-os no meu coração.
Não faz pois para mim, muito sentido, a discussão que por estes dias se teve aqui, a propósito daquilo a que chamaram uma frase racista dita no Parlamento de Cabo Verde. Um jornal chegou mesmo a puxar o assunto para primeira página, com o título “Sintomas de Racismo no Parlamento”, tudo porque durante o plenário um deputado do MpD, oposição, disse a um do PAICV, que sustenta o governo, que, com intervenções como a que acabara de fazer, a imagem dele ficaria “ainda mais negra do que aquela que tem”.
E então? Ahhh, que o deputado que disse isso tem um tom de pele mais claro e que o que ouviu é bastante mais escurinho… E então? Mas qual é o problema? Se um o disse de forma racista é uma parvoíce. Como tal devia ser ignorada. Se não foi o caso e o outro se sentiu ofendido também é uma parvoíce. Devia sentir-se bem na pele que tem e saber que “vozes de burro não chegam aos céus”.
Sou, como tu, alentejano, e nunca me senti ofendido com os milhares de anedotas que se contam sobre alentejanos. E tenho pena de não ser um bom contador de piadas, de me esquecer de todas, para poder contar algumas de pretos a alguns amigos de cá, que por certo se iriam rir. Porque convivem naturalmente com isso.
Lembro-me, aí de Lisboa, do Sebastião, pele escura como poucas e que adora contar anedotas de negros. Lembro-me de quando ele trabalhava num bar e que quando me abria a porta o meu cumprimento era sempre frases do género: “está aqui uma escuridão…”, ou “olha… a porta abriu-se sozinha”, ou “sai da frente preto”. Lembro-me da última vez que o vi, num restaurante aí perto de minha casa, e de como fiquei feliz de lhe dar um abraço. Grande contador de histórias, grande homem, grande amigo. Racismo? Mas qual racismo caramba?
É por isso que te digo, caro amigo, que me faz alguma confusão que se perca tempo com estas discussões, ainda por cima na praça pública. Ensinaram-me, ensinaram-nos a todos, que o que conta é que o que somos como seres humanos, não se somos homens ou mulheres, ricos ou pobres, feios ou bonitos, cristãos, muçulmanos ou coisa nenhuma, novos ou velhos, pretos ou brancos, vermelhos ou amarelos.
O racismo, como doutrina que afirma a superioridade de pessoas com uma cor de pele perante outras com outra cor, é um conceito absurdo. Não o consigo assimilar. Como também me faz confusão porque é que para uns chamar “preto” é ofensivo e para outros mau mesmo é chamar “negro”. Se calhar a coisa começa dentro de cada um. Se calhar, como me dizia há dias uma amiga aqui, porque há ainda quem tenha algum tipo de sentimento de inferioridade face à sua cor de pele. E se calhar porque há ainda quem tenha algum tipo de sentimento de superioridade face à sua cor de pele.
A uns e a outros só posso dar um conselho: vejam além disso, vejam mais fundo. Irão descobrir que, depois de passarem essa camada de pele, por dentro a coisa é igual. E que o que têm de trabalhar não é a pele, é a cabeça, o cérebro. E esse, para que ninguém se zangue nem se sinta superior ou inferior, não é preto nem é branco. É cinzento.

Um abraço

Fernando Peixeiro

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