O Maio de 68 já era, diz-se há muito anos. Aquela utopia do "sob as pedras da calçada, a praia!" diluiu-se. Aqueles que viveram Paris das barricadas aburguesaram-se - olhem Bernard Kouchner, um soixante-huitard, de activo terceiro- -mundista passou para um terço mundista e dois terços mundano e acabou ministro de Sarkozy, nos Negócios Estrangeiros.
As gerações são feitas por homens, e os homens, como disse Willie Brandt, quando são esquerdistas aos 20 anos, são sociais-democratas aos 40. Sendo a aritmética o que é, já passaram 40 anos e os adolescentes de Maio de 68 abeiram, hoje, os 60 anos. A natural trajectória para o conservadorismo (Brandt dixit) deve tê-los atirado para longe da posição inicial. Além do facto de Maio de 68 ter dado um tiro no pé quando tirou as pedras da calçada para fazer as barricadas. Todos puderam ver que sob elas, as pedras, havia terra suja, argamassa, esgotos - nada de praia. Nada sabota mais os ideais do que a realidade, o raio da realidade.
Por isso, com mais atraso nuns, mais pressa noutros, convencionou-se que Maio de 68 já era. A ponto de se chegar às vésperas do 40.º aniversário sem grande pachorra para comemorações. Acabou. Kaput. E já estávamos todos convencidos disso, quando começaram a surgir eflúvios e pozinhos de perlimpimpim que sugeriam o regresso daqueles tempos inebriantes que se pensavam idos para sempre. O quê, o Maio de 68 voltou a atacar?! Pois é o que parece.
Antes de dizer onde surge esse remake, deixem-me precisar o essencial de Maio de 68. Serei breve, até porque aqueles foram tempos de slogans. Deles tudo pode ser sintetizado como uma boa pub inventada por Alexandre O'Neill. Então, Maio de 68 foi isto: "Ce que nous voulons: tout!" O que queremos: tudo! Os mais radicais ainda acrescentavam: e já! Mas o essencial estava naquele achismo de que tudo era possível. Querem que vos diga? Ainda hoje gosto. Aliás, hoje ainda gosto mais do que naqueles tempos. Porque hoje, sem ilusões, sei que aquilo deve ser tomado como se ouve a Amy Winehouse, gozando a voz, sem pensar muito na realidade da rapariga.
O problema com os slogans de Maio de 68 surge quando os levamos a sério e os trazemos para a vida real. É como ficar com a Amy Winehouse mesmo depois de ela deixar de cantar, ir viver com ela. Daí, a minha preocupação pela restauração do voluntarismo utópico que pretende ser programa político. "Yes, we can", como diz o outro. Sim, nós podemos. Podemos ponto. O que quer dizer, podemos o céu. O que é o mesmo que buscar a praia onde já buscámos ingloriamente. É preciso que alguém diga ao "sim, nós podemos" o óbvio que há para dizer: sim e não. Há coisas que podemos e coisas que não.
“C.M.”
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