sábado, 9 de fevereiro de 2008

GLAUBER ROCHA – O FIM

‘O jornalista e escritor Carlos Aranha recebeu do seu amigo Hélio Rodrigues, há dois anos radicado em Lisboa, um longo material escrito pelo critico português Antonio Junior, sobre os últimos meses de vida do cineasta Glauber Rocha. Desse extenso trabalho, transcreve-se a seguir trechos do seu final, pelo ineditismo e pela sua importância’.

“A imprensa deu intensa cobertura à temporada de Glauber Rocha em Sintra, com fartas manchetes e longas entrevistas comuns a uma celebridade respeitada. O cineasta, em eterna preocupação com a preservação das cópias dos seus filmes, ficou entusiasmado com o ciclo dos seus filmes anunciado para a Cinemateca Nacional Portuguesa, em Abril de 1981. O catalogo foi editado, a mídia deu bastante destaque à mostra, e na primeira semana de exibição, durante a projeção de um filme do belga René Aiollo, a sala de projeções pegou fogo destruindo totalmente toda a obra de Glauber. Alucinado, viu como um sinal do fim; foi um golpe mortal. A queda foi instantânea. “A doença, a precariedade financeira e as incertezas me levam a pensar que vivo em Portugal o meu segundo e ultimo exílio. Foi o preço que paguei no Brasil pela liberdade artística”, disse. Em Julho, Carlos Pinto filmava sob a direção de Antonio Reis, em Trás-os-Montes, e ao voltar encontrou o amigo internado no Hospital de Sintra. Esteve três dias sendo tratado, suspeitavam de uma doença broncopulmonar, talvez uma tuberculose. Pinto se assustou com a sua figura esverdeada e abatida, olhos amarelados, e ao apertar a sua mão, ouviu dele: “Estou com uma ngustia”. Transferido para o Hospital da Cuf, em Lisboa, melhorou a olhos vistos. Lúcido, brincalhão, recebendo visitas, lendo jornais e vendo televisão, criticando as autoridades e políticos que apareciam: “Esses engravatados não me deixam em paz”: ainda acamado, recebeu os primeiros exemplares de “Revolução do Cinema Novo”, o que o deixou muito contente. Parecia estar bem, como se tudo não passasse de uma elaborada encenação para ajudá-lo a renascer dos mortos. Paula Gaitán havia mudado com os filhos para o Hotel Tivoli, tirava fotos polaroid do companheiro e dos seus amigs, circulava por Lisboa com o cantor Fagner, e não parecia ter consciência da gravidade da enfermidade de Glauber. Ele próprio não sabia qual era o seu mal. Os médicos não entravam num acordo, contraditórios. Havia rumores não confirmados de um câncer. Carlos Pinto o visitava todos os dias. “Era um personagem adorável, e a nossa ligação muito profunda”, recorda. No dia 20 de Agosto, após uma serie de exames rigorosos, Glauber disse que não gostaria de ficar sozinho naquela noite, pediu que Paula lhe fizesse companhia. Ela negou, não podia deixr os filhos sozinhos no hotel. “Então você fica, Pinto. E a Paula vai”, decidiu. O amigo disse que poderia ficar sem problemas, mas as enfermeiras no permitiram, pois o horário das visitas era rigoroso, restrito. Glauber estava bem, radiante, conversador como nos seus melhores dias, porém havia algo estranho no ar, uma energia muito forte que tomava todo o quarto. Na mesma noite, sozinho, ele entrou em coma.
No dia seguinte foi levado para o Brasil. Carlos Pinto e José Fonseca e Costa acompnhram o parceiro até ao aeroporto, dentro da ambulância. O estado era critico, Paula estava muito nervosa, e Glauber, mesmo todo entubado, tinha bom aspecto. Ficaram algum tempo à espera do avião. Então Glauber falou, algo incompreensível, sussurrante. O que ele queria dizer? Qual seria a sua mensagem final? Será que não desejava morrer no Brasil? No dia 22 de Agosto de 1981, o gênio incompreendido, que lia Nietzsche e Shopehauer aos 13 anos, morre, e é velado no Parque Lage, no Rio de Janeiro, cenário de “Terra em Transe”, em meio a grande comoção e exaltação. Poucos dias pós partir para a Eternidade, os seus filmes estariam sendo exibidos em mostras retrospectivas em vários países: Inglaterra (National Film Institute), Estados Unidos da América (Americn Filme Institute) e França (Instituit Nacional d’etudes Cinematographiques). As causs da morte ainda hoje são nublosas, fala-se inclusive de Aids. O mais provável é que tenha sido contaminado ao fazer biopsia com equipamento no esterilizado. Segundo D. Lúcia, “Meu filho era fortíssimo e paupérrimo. Não morreu da vontade de Deus, morreu de uma doença chamada Brasil”. Já Glauber, dizia: “Prefiro ser um cadáver a um desses mortos-vivos que andam por ai”. Tinha 42 anos, ele que desde adolescente dizia que morreria aos 42 anos, o inverso de 24, idade em que morreu o poeta Castro Alves, que fazia aniversário no mesmo dia e um dos seus favoritos.

‘Carlos Aranha’

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