sexta-feira, 4 de abril de 2008

A PROFECIA

De uma cigana, ainda nos tempos descalços de criança, Arnaldo ouvira a profecia de que o seu destino seria morrer de acidente de aviação.
Como destino é decreto que não se revoga, desde cedo cuidou de escolher o caminho branco da ausência e legislou de si para consigo:
- Voar é coisa de passarinho. Pois numa dessas coisas eu nunca botarei os pés.
Dito e feito. Acima da cumeeira da casa, sua vista jamais se atreveu a tanta ousar. Achava que tinha mesmo a vocação do rés da terra. E das planuras nunca haveria de se arredar.
Fazia a sua parte, não dando azo à cumplicidade com os enigmas do fado.
Certa vez, rapazola de tardes namoradeiras, aventurou-se em viagem de primeiro amor numa roda gigante, porém desembarcou na primeira escala em terra, alertado pela torre de comando da velha profecia cigana.
Homem feito, família constituída, viu os filhos casarem sem alterar a geografia.os dois mais velhos deixaram-se levar em vôos de arribação parindo os netos em ninhos distantes do carinho do avô. Eram terras de Mato Grosso, lonjuras do Amapá. Se dependesse das asas avoengas, o desassossegado homem jamais assentaria os olhos na decadência de segunda geração.
Sorte que os filhos aceitaram compartilhar da decretação oracular e para não concorrerem para uma eventual tragédia aviatória, concordaram em trazer, na primeira oportunidade, as crianças para conhecer a casa do avô.
Menos mal.
Este ano, completando seus setenta anos de pés fincados na terra que o viu nascer, teve o gosto de reunir a família completa pela primeira vez. Nenhuma prova de mestrado na agenda dos filhos ou das noras, nenhum ir ou voltar compulsório dos moradores locais.
Finalmente, conheceria os netos fora da moldura das cenas congeladas em estado de fotografia.
Preparou tudo com esmero. Só não foi ao aeroporto receber ninguém. De repente um daqueles animais alados se soltava de pista afora, invadia a estação de passageiros, nunca se sabe...
Pensou nos mínimos detalhes para agradar a meninada. Mandou reformar o quarto que um dia fora ocupado pelos dois mais velhos e até comprou camas novas no modelo de beliche para acomodar mais confortavelmente os pequenos. Festa assim nunca se viu naquela família.
No terceiro dia, já se identificara com todos, sem discriminação ou preferências, mas não conseguia disfarçar o interesse pelo caçula, de todos o mais travesso. Neste puseram-lhe o mesmo nome, Arnaldo. Arnaldo Neto.
Pois nessa tarde de despedida, eis que Arnaldo Neto chama o avô para presenciar a estréia do brinquedo que acabara de ganhar do pai: um daqueles aviõezinhos de controle remoto.
Foi só decolar e a viagem terminou bem na testa do velho Arnaldo, que morreu nessa mesma tarde de traumatismo craniano.
Ou melhor, de acidente aviatório.

‘Luiz Augusto Crispim’

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