terça-feira, 27 de maio de 2008

O REFERENDO NECESSÁRIO

Vivi; vários anos no Concelho do Barreiro. Como ‘Camarro’ adotivo, vivi ali a minha juventude, fui estudante, dirigente associativo ao nível estudantil, jornalista local, político ativo e até autarca na Assembléia Municipal, daquela importante urbe da margem Sul do Tejo, e não posso esconder que nutro alguma afeição e carinho tanto pela terra como pelas suas gentes batalhadoras, democráticas e determinadas. Também assumo que não sou saudosista em relação ao passado, mas que sou intransigentemente respeitador da história e das tradições.
Por todas estas linhas razão é que hoje vejo com alguma preocupação a atualidade do destino de um dos maiores símbolos daquela ordeira terra – Alfredo da Silva – e a sua imagem retratada numa estatua, que pode até ter-se alguma legitima razão em termos estéticos de alguns não gostarem, uma vez que até parece que o ilustre industrial esta a tratar de manusear as suas partes baixas, mas que na verdade retrata uma das figuras mais importantes da industria nacional, e particular responsável do Barreiro para atingir os níveis de desenvolvimento que hoje tem.
Chegados ao ano de 2008, do século XXI, a atual gestão municipal decidiu, e muito bem, dar um novo impulso á urbe. Agora o que os atuais gestores autárquicos jamais podem querer é mudar a história, para a reescrever da forma que melhor lhes convier politicamente. Não foi Álvaro Cunhal, ou outro qualquer militante ou ativista oposicionista do antigo regime que fez o Barreiro tornar-se mal ou bem aquilo que é hoje.
Foi Alfredo da Silva um empreendedor que, como tinha condições financeiras apostou em implantar no Barreiro um espaço industrial que chegou a ser um dos maiores e mais da Europa, e o maior da Península Ibérica.
A discussão publica sobre a recolocação da estatua Alfredo da Silva após as obras de modernização do novo mercado deveria merecer uma decisão bem mais populista e democrática que política.
Urge pela sua importância, realizar no Barreiro, um referendo local. Para que dessa forma a população decida entre umas 4 ou 5 propostas de localização, aonde deve ficar futuramente a estatua da destacada figura implantada.
E tal como; não sou saudosista, também assumo que sou realista, e jamais pude entender porque razão o parque situado no centro da cidade, paredes meias, com o local onde estava implantada a estatua, tinha sido rebatizado com o nome de Catarina Eufemia, no quente período pós-revolucionário. Nunca o entendi uma vez que a personagem morta num confronto com a Guarda Nacional Republicana na localidade de Baleizão, próximo de Beja, acho até que nunca colocou um pé na cidade do Barreiro, nem perto disso, e somente um dos seus filhos foi por aqui empregado na área comercial, num dos cafés da cidade.
Nomear aquela nobre zona, e parque, com o nome dela, foi quase o mesmo que ter dado o nome do primeiro homem que colocou um pé no solo lunar, pois que tirando esse feito, nada mais o liga ao Barreiro.
A história vale o que vale, ou seja; vale tudo. E se Catarina Eufemia, nada tem que ver, fisicamente, com o Barreiro, já diretamente Alfredo da Silva tem tudo que ver com a cidade e o Concelho.
Tem sido curiosa a postura dos autarcas ao longo dos tempos em termos de toponímica. Veja-se que homens como o Mestre Manuel Cabanas, são; renegados para umas ruas em zona limítrofes, e outros, salvo erro meu por falta de atualização com a toponímica local, nem nome recebem como são exemplos os grandes jornalistas Alfredo Zarcos, um dos decanos da imprensa no Barreiro, ou Manuel Joaquim Vaz, que além de jornalista foi dramaturco, ou o jornalista Leonidio Martins. Isto entre muitas outras figuras, como a actriz e cantora Mariete Pessanha, que deixaram a historia da sua vida perpetuada para o futuro, com obra e defesa da cidade e da região.
Defender a presença dos que não são da terra, ou a ela nada deram diretamente, em contraponto com símbolos, é uma tristeza e vergonha para a história e para as gerações vindouras.
Tenho lido com particular atenção algumas avalizadas opiniões, como a do meu bom amigo Dr. Jorge Fagundes, ou da Drª Ana Teresa Xavier, que me deixam um pouco mais tranqüilo na defesa da dignidade da figura de Alfredo da Silva. Espero que outras. Muitas outras se lhes juntem e que devido á pluralidade, seja possível auscultar a opinião dos cidadãos anônimos recenseados no Concelho, para que Alfredo da Silva possa ter a sua figura salvaguardada, e que a história não seja destruída como uma simples pedra de gelo que derrete devido ao calor e a erosão do tempo...
Podem ainda perguntar: Mas afinal ele quer a imagem defendida, mas não apresenta nenhuma; proposta concreta para o destino futuro da estatua. Pois eu tenho sim uma idéia concreta de que a estatua deveria ser recolocada em local próximo ao que se encontra hoje, embora com as devidas alterações do espaço envolvente, que obviamente não vão caber no novo local. Ou então, que devido á nova centralidade que o Barreiro esta a ganhar junto ao novo Fórum, ali deveria ficar a perpetuar a sua importância para o Barreiro do passado, do presente e do futuro.
Apoio incondicionalmente a idéia do Dr. Jorge Fagundes, pois que local mais nobre se pode encontrar do que na nova rotunda, no cruzamento da Rua Stara Zagora com a Rua Dr. Manuel Mello, e prolongamento da Avenida Alfredo da Silva, acho até que deveria ser uma das propostas a colocar nas respostas possíveis do referendo a realizar junto da população.
Quero deixar ainda no ar uma idéia que á primeira vista pode parecer patética, mas que se bem desenvolvida por professores e educadores, pode ser muito importante. Assim; as escolas do ensino básico, bem como preparatórias e secundárias, e o próprio superior sediado no Barreiro, deveriam pensar seriamente em levar a efeito no próximo ano lectivo, uma ação de divulgação do nome e obra de Alfredo da Silva. E, inclusivamente, porque não; no final do ano, as diversas Associações de Estudantes, em interligação com os Conselhos Diretivos e os responsáveis autárquicos locais; levassem a efeito um mini-referendo apurando a opinião dos estudantes do Concelho, tanto sobre a importância da figura de Alfredo da Silva, como da própria futura localização da sua estatua, e quem sabe esse resultado não pudesse contar em certa medida na decisão final, dando assim voz aos jovens, ás gerações do presente e futuro próximo.
O Barreiro sempre foi uma terra de futuro. E o futuro começa sempre a construir-se no presente.
Nada melhor do que um referendo,para dar voz a todas as gerações, sobre um assunto que muito mais do que político, é sem duvida alguma uma questão cultural.

João Massapina

1 comentário:

Anónimo disse...

Podem dar voltas à Estátua mas não dão a volta à história!
Por Nuno Banza
É fácil perceber que Alfredo da Silva é de facto muito incómodo para muitos ortodoxos, que preferem ter os patrões no papel de vilões.

O Barreiro beneficiou muito desta visão reformista e liberal, e viu muitos dos filhos destes trabalhadores, que recebiam ordenados muito acima até dos próprios funcionários públicos, terem a oportunidade de continuar os seus estudos e serem hoje homens e mulheres de sucesso...
Eu começo por dizer que na minha opinião, Alfredo da Silva foi sem dúvida o primeiro Reformista Liberal que o Barreiro conheceu, e a quem reconheceu justamente o seu mérito. É preciso enquadrar todo o seu trabalho no contexto da época e da Sociedade em que Portugal vivia. É fácil dizer hoje que na fábrica haviam informadores da PIDE e que se trabalhava em condições muitas vezes sub-humanas, quando olhamos para o passado com os olhos de hoje. Mas esta é só uma parte da história, e neste caso até, uma pequena parte. Porque se perguntarmos aos mais idosos, que passaram pela fábrica, como caracterizavam a sua relação laboral comparativamente aos trabalhadores de outras indústrias ou outros sectores, rapidamente perceberão que as diferenças eram abismais.

Numa época em que não haviam direitos laborais, em que no Alentejo se trabalhava “de sol a sol”, ou que no norte se vindimava nos socalcos muitas vezes até cair de exaustão, Alfredo da Silva implementava um sistema de apoio social aos trabalhadores da fábrica. Criava um plano de saúde, com a abertura do posto médico e do hospital da CUF, a par da medicação gratuita. Criava um plano de educação com a abertura da escola primária. Criava um plano de habitação, com a construção dos bairros, vários e com características distintas em função dos seus destinatários, é verdade, mas todos com condições muito acima do que era a típica habitação dos portugueses na altura. Abria uma dispensa e várias cantinas – enfim – construiu um império empresarial com uma estratégia económica liberal, mas em que os trabalhadores tinham efectivamente um papel valorizado. E imagine-se o que não pensavam na altura os restantes empresários, desta estratégia que podia até parecer para alguns ter inspirações “comunistas” por defender tanto os trabalhadores, mas que de facto mais não era do que uma visão reformista onde, num contexto nacional em que o trabalhador era apenas mais um dos factores produtivos como a terra ou a matéria prima, no Barreiro era visto como uma peça de valor.

Com todo este passado, é fácil perceber que Alfredo da Silva é de facto muito incómodo para muitos ortodoxos, que preferem ter os patrões no papel de vilões. O Barreiro beneficiou muito desta visão reformista e liberal, e viu muitos dos filhos destes trabalhadores, que recebiam ordenados muito acima até dos próprios funcionários públicos, terem a oportunidade de continuar os seus estudos e serem hoje homens e mulheres de sucesso, alguns com grandes responsabilidades dentro e fora de Portugal. E por isto, tudo, confesso que não estou muito preocupado, porque por muitas voltas que se dêem à estátua, o que não vão conseguir fazer é dar a volta à história.

Nuno Banza
Com o devido respeito e vênia a “Rostos”, e sobretudo ao Sr. Nuno Banza, autor do mesmo, pincei este magnífico artigo, bem como, também com o devido respeito á publicação e aos seus autores, alguns comentários que não podia deixar de anexar.
Paulo Calhau
Texto sintético mas muito interessante de Nuno Banza. Não era preciso sair do Barreiro, no final da década de 60, para testemunhar realidades operárias bem distintas. Por essa altura - antes de emigrarem para a Europa Democrática - ouvi relatos dos meus tios maternos que me fizeram acordar para uma realidade outra. Na corticeira onde laboravam tudo era diferente: mais desumano, cruel e brutal.


FSPina
Caro Nuno Banza, Subscrevo a Sua certeza de que não será fácil dar a volta à História do Barreiro, que no século XX se interliga também com a do Industrial Alfredo da Silva. Considero contudo que é necessário encontrar um local digno, logo nobre, para homenagear essa mesma História. Não me parece que a zona degradada do largo das obras seja esse local. Talvez a rotunda a construir no final da Av. Alfredo da Silva, junto ao novo Fórum seja uma boa solução. Zona requalificada, nova centralidade e no final da Av. Alfredo da Silva.

Barreirense
EXCELENTES PALAVRAS!!!!!!!!!!!!!!!!! Pena que muitos "Barreirenses" tenham a memoria curta! Cresci com os meus avós no Largo das Obras(Lg. Alexandre Herculano), no tempo em que os trabalhadores da CUF enchiam o largo ás 18 hrs e á meia noite, era para mim e para o meu irmão o melhor divertimento ver tanta gente, e era mesmo muita gente!!! Tudo isso acabou, mas ficam as memórias, das enchentes de pessoas, e de carros, das compras na Dispensa, das consultas do Posto Médico. Enfim....hoje tenho quase 41 anos e gosto de contar ás minhas filhas como era o Barreiro, os passeios e piqueniques na Av. da Praia, os bolos da Boleira do Parque, os Bailes nos Franceses, os jogos de Futebol do FC Barreirense na 1ª divisão, as pessoas sentadas ás portas nas noites de Verão, as conversas as brincadeiras na rua que duravam de manhã á noite sem medos e sem insegurança. Habituei-me a ver e a respeitar a estatua do Sr. Alfredo da Silva, á entrada do n/parque. Sou a favor das mudanças se estas forem para melhor, claro, por isso gostava que a restaurassem e a enquadrassem na nova praça, penso que essa era a melhor homenagem a prestar-lhe, manterem a estatua onde sempre esteve, para nunca nos esquecer-mos de alguém que tanto fez pelo Barreiro.