quarta-feira, 28 de maio de 2008

FUMO ARREPENDIDO

O que se passou no voo da comitiva de Sócrates para Caracas é um excelente retrato do país. Em qualquer outro voo, se qualquer pessoa puxasse de um cigarro não chegaria à segunda bafurada. Num motim, passageiros e tripulação logo acabariam com a gracinha. Sendo o primeiro-ministro, houve sussurros e queixinhas aos jornalistas, mas ninguém fez o mais a simples: dizer ao senhor José que segundo uma lei feita aprovar pelo senhor Sócrates é proibido fumar, sem qualquer excepção, em transportes aéreos. Como ele muito bem sabe. Mas neste país em que o poder é visto como um privilégio e o respeitinho ainda é muito bonito, fuma quem pode, cala quem deve.
A reacção seguinte é também bem nacional. Há muito que todos sabemos que Sócrates não cumpre a lei do tabaco. Mas quando a coisa virou notícias, a ASAE não anunciou que ia multar o prevaricador e a TAP não deixou claro que nos seus voos não se pode fumar. Ficou tudo à espera do chefe. Já o chefe, percebendo os danos para a sua imagem, não se limitou a pedir desculpas e pagar a multa. À americana, anunciou, como se isso nos dissesse respeito, que ia deixar de fumar. O anúncio prova que Sócrates não percebeu que o problema não é ter traído a sua imagem de saudável desportista. É ter abusado do seu poder. Não são os seus pulmões, que são apenas seus, que dão um mau exemplo ao país. Nem sequer é o facto de num momento de fraqueza ter violado a lei, coisa que não conheço nenhum mortal que não faça de vez em vez. É a recorrente ideia de que vai usando o poder que tem para estar acima da lei. Até ser apanhado em falso.

In: Arrastão

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