ESCLARECIMENTO DA CÂMARA DO BARREIRO SOBRE A ANTIGA ERMIDA DE SANTO ANDRÉ
A Câmara Municipal do Barreiro enviou o seguinte esclarecimento ao Jornal Margem Sul, a propósito da demolição do que resta da antiga Ermida de Santo André. Os títulos escolhidos são da responsabilidade do MS, para facilitar a leitura do documento que passamos a transcrever:
O REGISTO HISTÓRICO DA ANTIGA ERMIDA
“A antiga ermida de Santo André da Telha localizava-se no topo do Largo com o mesmo nome e a sua existência é conhecida pelo menos desde 1523.
O local é rico do ponto de vista das referências históricas, pois a Telha constitui uma das povoações das mais antigas do concelho do Barreiro, já referenciada desde 1320.
À ermida da Telha estiveram ligadas figuras do Barreiro da época dos Descobrimentos, facto conhecido pelas doações que lhe fizeram.
Com o terramoto de 1755 a ermida, tal como a maior parte dos edifícios da região de Lisboa sofreu grandes estragos e muito provavelmente a sua reparação nunca foi concluída ou demorou muitos anos, pois em 1893 Júlio Castilho, na obra “Ribeira de Lisboa”, refere-se à Igreja Paroquial de Santo André e diz «… caiu-lhe a torre e metade do que era templo serve hoje de palheiro. Conserva-se a outra metade como capela, pertencente a um súbdito inglês…».
Em 1963, Armando da Silva Pais, na obra “O Barreiro Antigo e Moderno”, faz referencia à antiga igreja de Santo André e refere o seguinte: «A Capela de Santo André, em ruínas durante mais de meio século, já desapareceu. No seu lugar, levantou-se há pouco tempo um prédio, com um estabelecimento comercial, à retaguarda do qual ainda subsiste uma parte dela. Quando foi revolvido o terreno à volta da capela e aquele em que assentava, recolheu-se uma enorme quantidade de ossos humanos, dos enterramentos ali efectuados.»
Em 1997, para responder a um pedido de Informação Prévia/Viabilidade de Construção, foi solicitado um primeiro parecer ao Sector do Património, que emitiu a informação que se transcreve: « Parecer Técnico - Antiga Igreja de Santo André - Projecto de viabilidade de construção:
O local onde o requerente pretende construir situa-se em área que do ponto de vista histórico e patrimonial é um dos mais antigos do actual concelho do Barreiro (o lugar da Telha é referenciado em documentação do Mosteiro de S. Vicente de Lisboa em 1320).
No Largo de Santo André, no topo Norte, situava-se a Igreja da invocação deste Santo, a qual recebeu a visitação da Ordem de Santiago em 1523, sendo porém a sua edificação anterior a esta data e à qual estiveram ligadas várias figuras importantes do Barreiro desta época.
Do antigo edifício religioso, pouco sobreviveu, restando apenas a cabeceira da capela mor, no interior da qual ainda é visível o arco de cruzeiro em pedraria, e uma pequena janela (fresta) no lado direito, entre outros elementos.
Ainda no mesmo Largo, existiu um velho Hospital, o qual se destinava ao acolhimento de peregrinos e mendigos, que acorriam às Romagens do Senhor Jesus dos Aflitos, existente nesta mesma Igreja (séc. XVIII).
Externamente o edifício encontra-se rodeado de casario, velho de muitos séculos, do qual se destaca uma porta de feição quinhentista, de ombreiras em meia coluna.
Aduzidos estes elementos resta acrescentar que o espaço pretendido para construção insere-se num conjunto habitacional que, apesar do seu aspecto geral um pouco degradado, apresenta alguma harmonia e equilíbrio, o qual poderá ficar irremediavelmente quebrado, com a construção de edifícios com «três ou quatro pisos mais a cave» como pretende o requerente.”
O ACOMPANHAMENTO
DO SECTOR DO PATRIMÓNIO
“Recorda-se que o PDM prevê a construção e renovação do tecido construído neste local, mantendo contudo, todas as características existentes, e prevendo-se apenas uma cércea máxima de dois pisos. De acordo com estes parâmetros, parece-nos que o procedimento a adoptar deverá ter em conta duas vertentes.
1. A primeira deverá privilegiar o acompanhamento directo, por parte do Sector de Património Histórico, de todo o desenvolvimento da referida obra, uma vez que a construção neste local, implica a destruição de todo este substrato histórico. A demolição de edifícios e sua remoção deverá ser realizada com algum cuidado, pois é provável que apareçam as antigas estruturas da igreja, ou eventualmente estelas ou sepulcros dos enterramentos feitos no seu interior e terrenos adjacentes, o que nos permitiria recuperar algum deste espólio.
2. A outra vertente prende-se com a reutilização dos materiais (pedraria) existentes na antiga Igreja de Santo André, os quais poderiam vir a ser reutilizados na construção da futura Igreja da freguesia, prevista para a zona do Parque dos Casquilhos, conforme se depreende do projecto do referido Parque. No caso da não reutilização das cantarias ou outros materiais, deveriam os mesmos ficar à guarda da CMB.
Depois desta data e face às solicitações do proprietário do imóvel foram emitidos outros pareceres que vão no mesmo sentido, ou seja permitir a construção mas salvaguardando sempre a realização de escavações arqueológicas e acompanhamento da obra, de molde a salvar algum espólio que ainda ali possa existir. Do mesmo modo se recomenda a recolha de cantaria ou qualquer elemento que se identifique com a antiga ermida, para que possa servir futuramente de memória daquele espaço.”
PARECER DO IGESPAR
À CÂMARA DO BARREIRO
“A fim de salvaguardar qualquer dúvida quanto ao interesse que o imóvel pudesse suscitar, solicitou a autarquia um parecer ao IGESPAR, baseado nas seguintes questões:
a)Se o imóvel em referência se reveste do interesse histórico/patrimonial apto a impedir qualquer intervenção urbanística na área do mesmo?
b)Se, mostrando-se tal intervenção possível, deve a mesma ser acompanhada de medidas ou atenções especiais?
Face as estas questões deslocou-se um técnico do IGESPAR ao local, que emitiu o parecer que aqui se transcreve em parte :«…» PARECER
1. Embora tenha sido em tempos uma Igreja, pouco remanesceu dessa génese funcional/inicial. As características iniciais do imóvel perderam-se, em virtude de o tempo decorrido, do seu abandono enquanto local de culto, e em consequência de posteriores utilizações que entretanto lhe foram dadas, designadamente a de taberna e casa de pasto (funções aliás possíveis de comprovar pelos elementos /testemunhos ainda hoje existentes no local), utilização essa que perdurou até final do século XX, provocando-lhe profundas alterações a nível formal e material, com alteração de espaços interiores, e aplicação de materiais construtivos recentes (exemplo betão armado).
2. Durante a visita efectuada ao local foi possível comprovar a presença de alguns testemunhos/elementos decorativos e arquitectónicos que nos indicam estarmos perante o que foi em tempos um edifício de cariz religioso:
- a manutenção da cabeceira da capela-mor (taberna)
- parte do arco do cruzeiro que separava a nave da capela-mor
- 1 vão de janela com moldura em cantaria
- espaço do lado direito da capela-mor, eventual sacristia (ao qual de acede transpondo uma porta com verga em cantaria)
- parte dos paramento/paredes (aparelho construtivo) que terão sido da nave, visíveis do lado exterior direito, e que eventualmente terão sido aproveitados pelas novas construções.
a)Considerando os critérios enunciados de uma forma geral no artigo 17º da Lei 107/2001 de 8 de Setembro.
b)Considerando que o eventual interesse patrimonial de âmbito nacional desta tipologia de edificações depende da sua relevância patrimonial para com outros edifícios congéneres ou épocas.
c)Considerando que as decisões de classificação dos bens imóveis devem ser fundamentadas reflectindo valores de antiguidade, autenticidade, originalidade, singularidade ou exemplaridade do bem, visando a sua distinção pelo seu valor arquitectónico; histórico-simbólico; técnico-construtivo e ou estético, no âmbito do património arquitectónico português;
Visitado o local, analisados os elementos constantes no processo, considerando os critérios enunciados de uma forma geral no artigo 17º da Lei 107/2001 de 8 de Setembro, e atendendo a que a competência para a classificação como interesse municipal é hoje dos órgãos municipais, conforme a) do nº 2 do artigo 20º da Lei nº 159/99, DE 14 DE Setembro, e nº 1 do artigo 94º da Lei 107/2001 de 8 de Setembro, de forma a responder às questões levantadas pela CMB, somos de parecer que:
a)O imóvel constituído pelos actuais números 3 e 5 do Largo de Santo André, sito na Telha Velha, edifício que em tempos remotos foi a igreja de santo André da telha (da qual restam apenas alguns vestígios) não reúne os valores patrimoniais inerentes a uma distinção como valor nacional (interesse nacional –MN – ou interesse público IIP, pelo que o processo de eventual classificação não deverá ter continuidade no âmbito do IGESPAR.
Caso este entendimento seja assumido pela direcção do Instituto, dever-se-á remeter o processo à Autarquia para que esta entidade proceda de acordo com as suas competências, se assim o entender.
b)Quanto às medidas ou atenções especiais a ter em conta no âmbito de uma intervenção urbanística contemporânea e uma vez que o imóvel não se encontra classificado, em vias de classificação, nem está em servidão administrativa (Zona de Protecção a imóvel classificado) pelo que não tem este Instituto competência directa na sua salvaguarda, a nossa acção é apenas indicativa, pelo que as medidas a ter em conta deverão passar por:
- Assegurar a integração em termos urbanos/arquitectónicos dos elementos decorativos de referência, da preexistência, enquanto memória simbólica do espaço religioso que outrora ali existiu, contribuído para a manutenção da identidade histórica do local.
- Realizar sondagens arqueológicas previas à intervenção no interior e exterior dos edifícios por forma a salvaguardar e registar possíveis elementos de interesse histórico-arqueológico.”
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