“Entomologia forense utiliza moscas e besouros na luta contra crimes misteriosos”
Com uma corda em volta do pescoço, o jovem pendia do teto da cozinha de um imóvel abandonado num bairro nobre. Estava morto havia pelo menos 15 dias, garantiram os vizinhos. Mas os indícios analisados pela policia contavam outra história. Os exames da praxe, que levam em consideração o estado de conservação, a temperatura e o grau de rigidez do corpo, induziram os peritos a calcular o tempo de morte em apenas uma semana. A fim de desfazer a duvida, a policia recorreu a uma perita do Instituto de Criminalística e especialista numa área da ciência que se tornou bastante conhecida por causa dos seriados de tevê norte-americanos, a entomologia forense. Na cena do crime, a perita concentrou a sua atenção não no corpo mas nas larvas de moscas e besouros que o povoavam e também se espalhavam pelo chão. “A diversidade de insetos era grande, cenário que aponta para um período mais longo decorrido desde a morte”, conta a perita que o corpo permaneceu o tempo todo pendurado, preservou-se melhor do que se estivesse em outra posição”, explica. É que as larvas de insetos que se alimentam da matéria orgânica em decomposição, em uma espécie de reciclagem natural de nutrientes, caíram no chão em vez de permanecer no corpo. A explicação de perita fortaleceu a versão dos vizinhos e a policia ampliou a lista de suspeitos, que passou a incluir pessoas que haviam estado por ali nas duas semanas anteriores.
Trabalhando na identificação das espécies de insetos geralmente encontradas junto aos mortos naquela região, a perita é uma das pesquisadoras que tem vindo a desenvolver essa especialidade de acordo com a fauna e as características ecológicas, bastante distintas entre cada região. Mais recentemente, ela tenta incluir a observação da presença e do comportamento dos insetos na rotina da policia. A razão é que moscas, besouros, vespas e borboletas que se aproveitam dos mortos para nutrir as suas proles podem ajudar a esclarecer quando, onde e como um crime ou uma morte misteriosa ocorreram.
Os exames tradicionais feitos pelos médicos – legistas são úteis para desvendar casos complicados, mas apenas se realizados até 72 horas após a morte. Depois desse período a precisão diminui muito porque as reações biológicas e químicas que continuam a ocorrer no corpo já sem vida sofrem a influencia de fatores que nem sempre podem ser identificados ou controlados. Assim, torna-se mais difícil chegar à causa ou à data da morte. Com os insetos é diferente. Incapazes de controlar a temperatura do próprio corpo, os vários estágios de seu desenvolvimento – eclosão do ovo, transformação em larva ou em pupa – são controlados por fatores externos bem conhecidos dos pesquisadores: a temperatura do ambiente e a disponibilidade de alimento.
Como a comida costuma ser abundante nesses casos, a partir da temperatura do corpo e do ambiente é possível, depois de identificar as espécies dos insetos, estimar quanto tempo levou para que os insetos atingissem o estágio em que foram encontrados e, assim, determinar quando ocorreu a morte. Logo após a morte proteínas, açucares e gorduras do organismo humano ou de outros animais são transformados em compostos químicos e aldeídos. O odor ácido é imediatamente detectado pelos insetos, que vêem nesses corpos uma importante fonte de alimento para os seus descendentes. “Quanto mais o tempo passa, mais os insetos ajudam a definir com precisão o intervalo decorrido desde a morte de uma pessoa”, afirma o médico Arício Xavier Linhares, especialista em entomologia forense do instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campina (Unicamp).
Condições de temperatura e umidade
Um dos pioneiros no estudo da entomologia forense no Brasil, Linhares coordena uma equipe que inclui pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e desde 1991 investiga quais as espécies de insetos que primeiro chegam ao corpo após a morte e quais as que se sucedem com o passar do tempo. É uma tarefa exaustiva num país de dimensões continentais como o Brasil, onde a diversidade de insetos é grande e são variadas as condições de temperatura e umidade, fatores que podem favorecer a proliferação de determinadas espécies de moscas, borboletas e besouros, mas dificultar a de outras.
Em 16 anos de trabalho o grupo Linhares constatou, por exemplo, que moscas como a Sarconesia Chlorogaster, esverdeada com asas longas, e a Calliphora vicina, negra e arredondada são encontradas, sobretudo, no sul do país. A primeira é mais comum em áreas silvestres e rurais, enquanto a segunda é tipicamente urbana. Já no estado de São Paulo as principais representantes urbanas são as moscas varejeira verde metálicas Chrysomya albiceps e Lucilia cuprina. Em áreas rurais ou de vegetação densa do interior do estado, o mais freqüente é encontrar as moscas Hemilucilia semidiaphana e Chloroprocta idioidea, além de espécies do gênero Paralucilia.
Informações sobre as populações de insetos características dos ambientes – urbano , rural, Mata Atlântica ou Cerrado – investigados pela equipe de Linhares são importantes para determinar não apenas a data da morte, mas também o seu local. É que permitem avaliar se houve transporte de cadáveres, estratégia muito utilizada por criminosos para atrapalhar as investigações policiais. “Se no corpo de uma pessoa encontrada no Rio de Janeiro acharmos larvas de insetos do interior de São Paulo, podemos afirmar que ela no morreu onde foi encontrada”, conta Linhares, cujo grupo percorre o estado há quase dois anos com o objetivo de identificar as espécies mais comuns de insetos nas diferentes regiões paulistas.
‘Francisco Bicudo’
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