As mídias vêm divulgando a nova moda, que contaria com muitos adeptos e admiradores. Ela consiste em enrolar os tapetes dos automóveis, transformando-os em cassetetes improvisados. Estes são manejados por jovens, que se divertem com os efeitos dos golpes desferidos no corpo de desavisados, pedestres ou ciclistas que circulam no espaço público. A ‘brincadeira’, fortemente ofensiva, consiste em fazer o outro sentir uma dor intensa. Pelo menos em um caso, a tapetada foi acompanhada de outras agressões racistas feitas a um homem negro.
Os alvos são os passantes, aqueles que ousam dividir o espaço das cidades com os demais membros da população. Os eventos são filmados e depois divulgados na Internet, com muito orgulho e sensação do dever cumprido. Os tapeteiros têm muitos fãs, como se pode ver nas redes de relacionamento. Ao que parece, eles se acham o máximo e desconhecem qualquer regra de convivência e respeito social. Existem os que fazem, os que ajudam e os que aprovam tal barbaridade. Eles batem em moças – Será que existe algum teor sexual no comportamento deles? –, rapazes e em qualquer outro alvo que lhes pareça ‘merecedor’ de uma tapetada.
Estes novos agressores criptofascistas nada tem a ver com a sapatada iraquiana em Bush e com o doido que agrediu o Berlusconi. Não são atos cometidos por pessoas insatisfeitas com a ordem. Ao contrário, os tapeteiros têm mais a ver com os que agridem verbalmente ou fisicamente mulheres, negros, índios, mendigos e homossexuais. São filhos de um certo humor televisivo baseado no preconceito e no sofrimento do outro. Acreditam que estão acima de todos e podem fazer o que bem entendem. Divertem-se com a dor alheia, tal como todos que conseguem achar graça das diferenças, das tragédias e das misérias humanas.
Certamente, eles têm automóveis e alguns recursos. Há provas que vários são estudantes de nível superior de escolas privadas. Alguns frequentam cursos que lhes darão diplomas impossíveis de serem acessados pela maioria dos estudantes brasileiros. Moram, comem e bebem sem nenhum problema. Eles têm tempo livre à vontade para vadiar por aí, buscando encontrar um sentido, mesmo que negativo, para suas vidas. Vão da ação violenta à sua divulgação na Internet em minutos.
Eles não conhecem o real significado da expressão direitos humanos e têm raiva de quem lembra da mesma. Acham que são mais brasileiros do que os que agridem, não demonstrando qualquer culpa ou remorso. Mesmo assim, como são, em sua maioria, brancos e socialmente bem situados, conseguem ter um tratamento diferencial quando são pegos. Não há registro que suas famílias deixem de apoiá-los ou exerçam qualquer tipo de controle de seus comportamentos violentos. Flutuam na atmosfera de uma sociedade baseada na diferença extrema, na baixa cultura e na falta de inteligência e de compaixão.
Estes jovens são os novos ovos da serpente. Representam o que há de pior na sociedade brasileira. Aqueles que, dependendo da evolução da história do país, estarão prontos para tentar impedir qualquer mudança e para garantir seus privilégios de classe. Estão sendo chocados e se preparando para um possível embate no futuro. O que fazem hoje, talvez seja uma pequena amostra do que poderão fazer em outro contexto. Só é possível evitar isto, se desde hoje a vigilância democrática esteja atenta para as manifestações ainda líquidas de um fascismo que poderá se solidificar, dependendo de quem estiver no poder central.
O estímulo à leitura e ao consumo da obra de arte de qualidade - popular e erudita - são antídotos a ser considerados. A Internet, por exemplo, é um meio de comunicação, onde há de tudo um pouco. Eles trafegam no lixo, mas poderiam usar o mesmo meio para acessar as conquistas da filosofia, das artes e das ciências. É tecnofobia demonizar o meio. O problema está no modo que eles são capturados para usá-lo.
Na verdade, eles vieram do consumo de uma televisão de baixíssima qualidade e de outras mídias também pouco edificantes. Hoje, estes jovens encontram na Internet os mesmos vícios e problemas, potencializados pela interatividade. Não é difícil que eles acreditem que o mundo é só o que eles e suas redes intersubjetivas imaginam como o único e possível.
Eles pouco ou nada ouvem, vêem ou lêem comunicando o combate aos preconceitos tradicionais da sociedade brasileira. Não sabem o que são exatamente o racismo, o sexismo, a homofobia, o idadismo e o terrível e secreto preconceito contra a inteligência. Certamente, não compreendem que a pobreza não é um destino e sim um problema político.
Há razões de sobra para desconfiarem de tudo que cheire a política e para imaginarem que qualquer um interessado nisto é um ladrão. Em suma, estão apartados de um instrumental básico para compreender o mundo em que vivem. São alienados, manipulados pelos mais fortes e manipuladores dos mais fracos que conseguem alcançar.
Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro Tv, poder e substância: a espiral da intriga, de entre outros.
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