Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – Testar as leis fundamentais da física: é este objetivo grandioso que motiva o Projeto Temático “Física e astrofísica de neutrinos”, coordenado pelo físico Marcelo Moraes Guzzo, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e apoiado pela FAPESP.
Trata-se de checar suposições como a de que as leis da física não mudam quando se passa de um referencial inercial a outro ou de que a massa inercial de um corpo é equivalente à sua massa gravitacional. “Essas leis e outras do mesmo porte são tidas como certas, mas precisam ser testadas de todas as formas imagináveis. Uma maneira muito poderosa e eficaz de testá-las é por meio dos neutrinos”, disse Guzzo.
O teste se baseia em um fenômeno chamado “oscilação quântica de neutrinos” (OQN), previsto pelo físico italiano Bruno Pontecorvo (1913-1993) em 1957 e comprovado em 1998.
Como todas as partículas subatômicas, os neutrinos se propagam no espaço como ondas. E a OQN é um fenômeno de interferência, semelhante ao que ocorre quando duas ou mais ondas se cruzam na superfície da água. A diferença é que, no caso, não se trata de ondas mecânicas, mas sim quânticas.
“A oscilação quântica de neutrinos é muito sensível a qualquer variação de parâmetros. Por exemplo, se a massa inercial fosse diferente da massa gravitacional por um fator tão pequeno quanto 10 elevado a menos 15 (um milionésimo de bilionésimo), isso já seria suficiente para afetar a OQN. Caso ocorresse, tal alteração desmentiria a equivalência entre massa inercial e massa gravitacional”, explicou Guzzo.
O trabalho do grupo da Unicamp é fazer previsões teóricas que, uma vez publicadas nas revistas especializadas, possam inspirar outras equipes de pesquisa.
Tudo isso parece muito exótico porque o neutrino ainda é uma partícula cercada de mistério. No entanto, os neutrinos são, juntamente com os fótons (corpúsculos de luz ou, mais precisamente, partículas associadas à interação eletromagnética), os objetos mais abundantes no Universo.
Estima-se que para cada próton existam cerca de 10 bilhões de neutrinos. E eles não estão necessariamente longe. Por exemplo, a cada hora o corpo humano emite cerca de 20 milhões de neutrinos, liberados por míseros 20 miligramas de potássio radioativo presentes no organismo.
A cada segundo, os seres humanos são atravessados por aproximadamente 50 bilhões de neutrinos gerados por fontes radioativas naturais da Terra, mais de 100 bilhões saídos de reatores nucleares e de 100 trilhões a 400 trilhões vindos do Sol. Esses últimos chegam inclusive à noite, pois são capazes de atravessar o planeta inteiro, entrando por um lado e saindo pelo outro.
De onde vem, então, a aura de mistério que circunda essa partícula? Vem do fato de que ela praticamente não interage com nada. Tanto assim que, em 1934, o famoso físico judeu-alemão Hans Bethe (1906-2005) chegou a afirmar que o neutrino jamais seria observado.
No entanto, em junho de 1956, Clyde Cowan (1919-1974) e Fred Reines (1918-1998), dois físicos do Laboratório de Los Alamos, nos Estados Unidos, o mesmo onde foi produzida a bomba atômica, conseguiram desmentir a profecia e detectar o fugidio corpúsculo.
Mas a detecção ainda é um problema. Além de ser feita de maneira indireta, exige quantidades descomunais de neutrinos e detectores gigantescos, como o Super-Kamiokande, no Japão, e o IMB (Irvine, Michigan, Brookhaven), nos Estados Unidos.
Com massas da ordem de 50 mil toneladas e enterrados em grandes profundidades, para barrar a influência dos raios cósmicos, esses detectores utilizam água puríssima, na qual o trânsito ultrarrápido das partículas produz indiretamente, por meio de uma sucessão de efeitos, uma luminescência azulada, conhecida como radiação de Cherenkov.
Massa enigmática
A existência do neutrino foi proposta teoricamente por Wolfgang Pauli (1900-1958) em 1930, com o objetivo de explicar por que, no decaimento beta (processo de desintegração em que um núcleo atômico se transforma em outro e emite um elétron), a energia do elétron emitido não correspondia ao valor esperado.
Segundo o grande físico austríaco, uma partícula, que ele chamou de “X”, carregava consigo a energia que faltava ao elétron. Sabe-se, hoje, que o decaimento beta corresponde à desintegração do nêutron, detectado em 1932 pelo inglês James Chadwick (1891-1974).
O físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) rebatizou a “partícula X” com o nome de neutrino, para indicar que ela era eletricamente neutra e possuía muito pouca massa. Além disso, Fermi utilizou a hipótese do neutrino para elaborar uma teoria abrangente do decaimento beta. Nela, descrevia o espectro de energia do decaimento beta para um neutrino de massa nula e como o espectro mudaria se o neutrino tivesse uma pequena massa.
A questão da massa do neutrino arrastou-se por décadas e ainda não está inteiramente resolvida. Durante muito tempo acreditou-se que essa partícula, assim como o fóton, teria massa nula. Hoje admite-se uma massa diferente de zero, porém seu valor exato continua desconhecido.
Embora muito pequena, várias ordens de grandeza menor do que a massa do elétron, a massa do neutrino desempenharia um papel crucial no balanço gravitacional do Universo, devido ao número literalmente astronômico dessas partículas.
Graças aos detectores gigantes, o estudo dos neutrinos avançou muito nas últimas décadas. “Com o aprimoramento dos métodos de detecção, essas partículas ainda misteriosas poderão vir a ser uma excelente fonte de informação sobre regiões distantes – como, por exemplo, o centro do Sol”, disse Guzzo.
Os fótons gerados no centro do Sol levam cerca de 1 milhão de anos para alcançar a superfície de nossa estrela e daí viajar para a Terra. Os neutrinos, devido ao fato de praticamente não interagirem com nenhuma outra partícula, viajam do centro do Sol à Terra em apenas 8 minutos.
“Em outras palavras, as informações trazidas pela radiação eletromagnética acerca do núcleo solar são velhas. As informações trazidas pelos neutrinos são novas em folha. Precisamos apenas descobrir como acessá-las”, destacou Guzzo.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
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